XI
Todos esses louvores, bem o viste,
NĂŁo conseguiram demudar-me o aspecto:
SĂł me turbou esse louvor discreto
Que no volver dos olhos traduziste…Inda bem que entendeste o meu afeto
E, através destas rimas, pressentiste
Meu coração que palpitava, triste,
E o mal que havia dentro em mim secreto.Ai de mim, se de lĂĄgrimas inĂșteis
Estes versos banhasse, ambicionando
Das nĂ©scias turbas os aplausos fĂșteis!Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los pensando em ti, fi-los pensando
Na mais pura de todas as mulheres.
Sonetos sobre Tristes de Olavo Bilac
9 resultadosVI
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o prĂłprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.Mas amastes, sem dĂșvida … Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.Pois sabei que Ă© por isso que assim ando:
Que Ă© dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
Em uma Tarde de Outono
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as ĂĄguas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?A ĂĄgua cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…
Leio-Te: – O Pranto Dos Meus Olhos Rola:
Leio-te: – o pranto dos meus olhos rola:
– Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as pĂĄginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vĂȘ-la, plĂĄcida, a meu lado,
Lendo comigo a pĂĄgina que leio.
No Meio Do Caminho
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…E paramos de sĂșbito na estrada
Da vida: longos anos, presa Ă minha
A tua mĂŁo, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.E eu, solitĂĄrio, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Desterro
JĂĄ me nĂŁo amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delĂrio! Adeus, belo corpo adorado!Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meĂŁo do caminho…
Beijo-te inda uma vez, num Ășltimo carinho,
Como quem vai sair da pĂĄtria desterrado…Adeus, corpo gentil, pĂĄtria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idĂlio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!Adeus! Esse outro amor hĂĄ de amargar-me tanto
Como o pĂŁo que se come entre estranhos, no exĂlio,
Amassado com fel e embebido de pranto…
XXIX
Por tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei naquela noite o firmamento,
Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito,
Tudo aquilo me vem ao pensamento.Sal, no peito o derradeiro grito
Calcando a custo, sem chorar, violento…
E o céu fulgia plåcido e infinito,
E havia um choro no rumor do vento…Piedoso cĂ©u, que a minha dor sentiste!
A ĂĄurea esfera da lua o ocaso entrava.
Rompendo as leves nuvens transparentes;E sobre mim, silenciosa e triste,
A via-lĂĄctea se desenrolava
Como um jorro de lĂĄgrimas ardentes.
MĂșsica Brasileira
Tens, Ă s vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadĂȘncia, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.Mas, sobre essa volĂșpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bårbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.Ăs samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes sĂŁo desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:E em nostalgias e paixÔes consistes,
Lasciva dor, beijo de trĂȘs saudades,
Flor amorosa de trĂȘs raças tristes.
Vila Rica
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasĂŁo.O Ăąngelus plange ao longe em doloroso dobre,
O Ășltimo ouro de sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepĂșsculo cai como uma extrema-unção.Agora, para alĂ©m do cerro, o cĂ©u parece
Feito de um ouro anciĂŁo, que o tempo enegreceu…
A neblina, roçando o chĂŁo, cicia, em prece,Como uma procissĂŁo espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.