Sonetos sobre Velas

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Sonetos de velas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Pensando Nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada Ă  janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…

Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e nĂŁo sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…

Nem vĂŞ meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

A França!

Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria, em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de Portugal ficam, atraz…

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido rapaz?
NĂŁo sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ancia em que jaz…

Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella…)
Na minha Nau Catharineta, adeus!

Paquete, meu paquete, anda ligeiro!
Sobe depressa á gavea, marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!…

A Minha Vida Ă© um Barco Abandonado

A minha vida Ă© um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que nĂŁo ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhĂŁ, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando Ă  tona inĂştil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Santos Ă“leos

Com os santos Ăłleos de que vens ungido
Podes andar no mundo sem receio.
Quem veio para a Luz, por certo veio
Para ser valoroso e ser temido.

Que tudo Ă© embalde, tudo em vĂŁo, perdido
Quando se traz esse divino anseio,
Esse doce tranporte ou doce enleio
Que deixa tudo e tudo confundido.

A Alma que comop a vela chega ao porto
Sente o melhor, consolador conforto
E a asa nas asas dos Arcanjos toca…

Os santos Ăłleos sĂŁo a luz guiadora
Que vigia por ti na pecadora
Terra e o teu mundo celestial evoca

San Gabriel I

Inútil! Calmaria. Já colheram
As velas. As bandeiras sossegaram,
Que tĂŁo altas nos topes tremularam,
– Gaivotas que a voar desfaleceram.

Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos ritmos que as ondas embalaram)
Que cilada que os ventos nos armaram!
A que foi que tĂŁo longe nos trouxeram?

San Gabriel, arcanjo tutelar,
Vem outra vez abençoar o mar,
Vem-nos guiar sobre a planĂ­cie azul.

Vem-nos levar Ă  conquista final
Da luz, do Bem, doce clarĂŁo irreal.
Olhai! Parece o Cruzeiro do Sul!

Palavras d’um Certo Morto

Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, Ă  chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…

SĂł o espĂ­rito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto sĂł… do resto nĂŁo me importo…

Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!

Que assim Sai a ManhĂŁ

Que assim sai a manhĂŁ, serena e bela!
Como vem no horizonte o sol raiando!
Já se vão os outeiros divisando,
já no céu se não vê nenhuma estrela.

Como se ouve na rĂşstica janela
do pátrio ninho o rouxinol cantando!
Já lá vai para o monte o gado andando,
já começa o barqueiro a içar a vela.

A pastora acolá, por ver o amante,
com o cântaro vai à fonte fria;
cá vem saindo alegre o caminhante;

SĂł eu nĂŁo vejo o rosto da alegria:
que enquanto de outro sol morar distante,
não há-de para mim nascer o dia.

A MĂşsica

A mĂşsica p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrĂ­vel me exaspera!

Tradução de Delfim Guimarães

A Teodoro de Banville

De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —

TrĂŞs vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?

Tradução de Delfim Guimarães

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho paĂ­s que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ­
Em trágica loucura as destruí
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei Ă  vida, e nĂŁo voltaram!…

Navios-Fantasmas

O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar, e o que me escreveste,
E tudo o que sonhaste e eu presumo.

Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como navio que perdeste,
No arabesco fantástico do fumo…

Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros,
TĂŞm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!

VĂŁo-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, as doidas caravelas,
Ao ignoto PaĂ­s da minha infância…

Deixa, Moreira, o Mundo

(Ao seu Amigo)

Deixa, Moreira, o mundo; Ă© tempo agora
De ver da praia firme o golfo insano,
As velas colhe, e o tarde desengano
Com levantadas mĂŁos devoto adora.

Repousa pois: o mundo hoje devora
Com enganos cruéis o peito humano;
E rindo-te de ver o antigo engano,
As antigas paixões sábio melhora.

Deixa Amor, deixa as Musas, e somente
Do Ilustre Baco o copo Ă  boca arrima;
Pois alegra a quem vive descontente:

Louva o homem discreto, o Sábio estima;
Ama a virtude; mostra-te prudente;
Toma tabaco, fala Ă  tua Prima.