Sonetos sobre Estéril

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Sonetos de estéril escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Sem um Filho te ApagarĂĄs no Poente

A luz real ergueu-se a oriente
com a coroa de fogo na cabeça:
e o nosso olhar, vassalo obediente,
ajoelha ante a visão que recomeça.

Enquanto sobe, Sua Majestade,
a colina do céu a passos de oiro,
adoramos-lhe a adulta mocidade
que fulge com as chamas dum tesoiro.

Mas quando o carro fatigado alcança
o cume e se despenha pela tarde,
desviamos os olhos jå sem esperança:

no crepĂșsculo estĂ©ril nada arde.
Assim tu, meio dia ainda ardente,
sem um filho te apagarĂĄs no poente.

Tradução de Carlos de Oliveira

Minha Árvore

Olha: É um triĂąngulo estĂ©ril de Ă­nvia estrada!
Como que a erva tem dor… Roem-na amarguras
Talvez humanas, e entre rochas duras
Mostra ao Cosmos a face degradada!

Entre os pedrouços maus dessa morada
É que, às apalpadelas e às escuras,
Hão de encontrar as geraçÔes futuras
SĂł, minha ĂĄrvore humana desfolhada!

Mulher nenhuma afagarĂĄ meu tronco!
Eu nĂŁo me abalarei, nem mesmo ao ronco
Do furacĂŁo que, rĂĄbido, remoinha…

Folhas e frutos, sobre a terra ardente
HĂŁo de encher outras ĂĄrvores! Somente
Minha desgraça hå de ficar sozinha!

Enquanto outros Combatem

Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ås gentes!

Respirariam meus pulmÔes contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caĂ­ra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos glĂĄdios reluzentes!

JĂĄ nĂŁo veria dissipar-se a aurora
De meus inĂșteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!

JĂĄ nĂŁo veria em minhas mĂŁos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pĂĄlida e estĂ©ril mocidade!

Nox

Noite, vĂŁo para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, Ă  luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inĂșteis tantos ĂĄsperos tormentos…

Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trĂĄgica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…

Oh! Antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterĂĄvel,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolĂĄvel,
Noite sem termo, noite do NĂŁo-ser!

Afra

Ressurges dos mistĂ©rios da luxĂșria,
Afra, tentada pelos verdes pomos,
Entre os silfos magnéticos e os gnomos
Maravilhosos da paixĂŁo purpĂșrea.

Carne explosiva em pĂłlvoras e fĂșria
De desejos pagĂŁos, por entre assomos
Da virgindade–casquinantes momos
Rindo da carne jĂĄ votada a incĂșria.

Votada cedo ao lĂąnguido abandono,
Aos mĂłrbidos delĂ­quios como ao sono,
Do gozo haurindo os venenosos sucos.

Sonho-te a deusa das lascivas pompas,
A proclamar, impĂĄvida, por trompas,
Amores mais estéreis que os eunucos!

Tempestade AmazĂŽnica

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, nĂŁo tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pĂĄssaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva nĂŁo bata.

SĂșbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto o trovĂŁo repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidĂŁo. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…

A Minha Vida Ă© um Barco Abandonado

A minha vida Ă© um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que nĂŁo ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhĂŁ, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando Ă  tona inĂștil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o CearĂĄ

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na Ăłrbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciĂȘncia — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De geraçÔes de herĂłis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glĂłria — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lĂĄgrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

A um Poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciĂȘncia e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sĂłbria, como um templo grego.

NĂŁo se mostre na fĂĄbrica o suplĂ­cio
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifĂ­cio:

Porque a Beleza, gĂȘmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifĂ­cio,
É a força e a graça na simplicidade.

MĂŁe…

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mĂŁos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sĂ­tio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lĂĄ no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estĂ©ril ciĂȘncia, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mĂŁe!