Sonetos sobre Vozes

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Sonetos de vozes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cantares Bacantes (II)

Canto a lira dissonante:
como custam meus cantares!
os cantochões dos solares
mais remotos que um levante.

Tua branca primavera
lança-perfume dos ares
profundo nácar dos pares
mas verdes ramas da hera.

A cigarra morta canta
tua tarde de passagem
que a voz do bronze levanta

louvores a teu passeio
de gazela: leve aragem
ao coração, meu anseio!

Voz Interior

(A João de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

A Vida Anterior

Longos anos vivi sob um pórtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante às grutas de basalto.

Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeão colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz às tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.

Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,

Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missão apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpir

Tradução de Delfim Guimarães

Velha Anedota

Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:

– Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso? –

Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: – Juízo. –

Tarde De Música

Só Schumann, meu Amor! Serenidade…
Não assustes os sonhos…Ah! não varras
As quimeras…Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade…

Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
Pétalas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!

Eu olhava para ti…”é lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
— Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —

Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos…

Tecido

O texto tem sua face
de avesso na superfície:
é dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.

Tudo no texto é disfarce,
ritual de voz e artifício,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planície.

Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto é sempre demora:

o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.