Textos sobre Abismo de José Luís Peixoto

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Textos de abismo de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

O Primeiro Beijo

Durante todas as noites desse verĂŁo, as estrelas foram lĂ­quidas no cĂ©u. Quando eu as olhava, eram pontos lĂ­quidos de brilho no cĂ©u. Na primeira vez, encontrĂĄmo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou trĂȘs palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caĂ­a como se flutuasse: cair atravĂ©s do cĂ©u dentro de um sonho.

Naquela noite, fiquei a esperĂĄ-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensĂŁo. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma Ășnica forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao cĂ©u claro da noite. E faltou uma batida ao coração.

O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer.

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Corremos Dentro dos Corpos

Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das årvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo.
Como sangue, somos lĂĄgrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras sĂŁo, tantas vezes, feitas daquilo que signiïŹcamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridĂŁo como o Ășnico objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memĂłrias, as ideias, a esperança e o desencanto.