Luto por uma Novidade de EspĂrito
Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros, e essa agonia que lhes parece um jogo de vida e morte mascara uma outra realidade, tĂŁo extraordinária essa verdade que os outros cairiam de espanto diante dela, como num escândalo. Enquanto isso, ora estudam, ora trabalham, ora amam, ora crescem, ora se afanam, ora se alegram, ora se entristecem. A vida com letra maiĂşscula nada pode me dar porque vou confessar que tambĂ©m eu devo ter entrado por um beco sem saĂda como os outros. Porque noto em mim, nĂŁo um bocado de fatos, e sim procuro quase tragicamente ser. É uma questĂŁo de sobrevivĂŞncia assim como a de comer carne humana quando nĂŁo há alimento. Luto nĂŁo contra os que compram e vendem apartamentos e carros e procuram se casar e ter filhos mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espĂrito. Cada vez que me sinto quase um pouco iluminada vejo que estou tendo uma novidade de espĂrito.
Minha vida é um reflexo deformado assim como se deforma num lago ondulante e instável o reflexo de um rosto. Imprecisão trémula. Como o que acontece com a água quando se mergulha a mão na água.
Textos sobre Carne de Clarice Lispector
2 resultados Textos de carne de Clarice Lispector. Leia este e outros textos de Clarice Lispector em Poetris.
Uma Vida Maior
Estou querendo viver daquilo inicial e primordial que exactamente fez com que certas coisas chegassem ao ponto de aspirar a serem humanas. Estou querendo que eu viva da parte humana mais difĂcil: que eu viva do germe do amor neutro, pois foi dessa fonte que começou a nascer aquilo que depois foi se distorcendo em sentimentações a tal ponto que o nĂşcleo ficou esmagado em nĂłs mesmos pela pata humana. É um amor muito maior que estou exigindo de mim – Ă© uma vida tĂŁo maior que nĂŁo tem sequer beleza. Estou tendo essa coragem dura que me dĂłi como a carne que se transforma em parto.
.H.’