Textos sobre Fenómeno de Robert Musil

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Textos de fenómeno de Robert Musil. Leia este e outros textos de Robert Musil em Poetris.

Corpo e Espírito

A maior parte das pessoas tem um corpo que, ou é desleixado, formado e deformado pelo acaso, e que parece quase não ter relação com o seu espírito e o seu carácter, ou então é recoberto pela máscara do desporto que lhe dá o aspecto daquelas horas em que ele tirou férias de si próprio. Essas são aquelas horas em que um homem desfia o sonho diurno da sua boa figura, que foi buscar às revistas do grande mundo da elegância e da beleza. Todos esses jogadores de ténis, cavaleiros e corredores de automóveis, bronzeados e musculosos, com ares de baterem todos os recordes, apesar de, em geral, dominarem apenas razoavelmente a sua especialidade, essas damas bem vestidas ou bem despidas, sonham sonhos diurnos, e só se distinguem do comum dos mortais que têm sonhos despertos porque o seu sonho não permanece encerrado no cérebro, mas sai para o ar livre, como projecção da alma das massas, configurada de forma corpórea, dramática, quase apetecia dizer, na linguagem de fenómenos ocultos mais que suspeitos, ideoplástica. Mas têm em comum com os vulgares construtores de fantasias uma certa banalidade dos seus sonhos, tanto no que se refere ao conteúdo como à proximidade do estado de vigília.

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Não Existe Felicidade Desregrada

Uma época em que tudo é permitido sempre tornou infelizes aqueles que nela viveram. Disciplina, abstinência, cortesia, música, moral, poesia, forma, proibição, tudo isso tem como sentido último conferir à vida uma forma bem delimitada e determinada. Não existe felicidade desregrada. Não existe grande felicidade sem grandes tabus. Até no mundo dos negócios não podemos correr atrás de qualquer vantagem, porque nos arriscamos a não chegar a lugar nenhum. O limite é o segredo dos fenómenos, o mistério da força, da felicidade, da fé e da nossa missão, que é a de nos afirmarmos como ínfimos seres humanos num universo.

A Subjectividade dos Comportamentos

Podemos ter para com as coisas que nos acontecem ou que fazemos uma atitude mais geral ou mais pessoal. Podemos sentir uma pancada não apenas como dor, mas também como ofensa, e neste caso ela torna-se cada vez mais insuportável; mas também aceitá-la desportivamente, como um obstáculo que não nos intimidará nem nos arrastará para uma ira cega, e então não é raro nem sequer darmos por ela. Neste segundo caso, porém, o que aconteceu foi apenas que integrámos essa pancada num contexto mais geral, o do combate, e em função disso a natureza do golpe revelou-se dependente da tarefa que tem de desempenhar. E precisamente este fenómeno, que leva a que um acontecimento receba o seu significado, e mesmo o seu conteúdo, mediante a sua inserção numa cadeia de acções consequentes, produz-se em todos os indivíduos que não o encaram apenas como acontecimento pessoal, mas como desafio à sua capacidade intelectual.
Também ele será mais superficialmente afectado nas suas emoções pelo que faz. Mas, estranhamente, aquilo que se vê como sinal de inteligência superior num pugilista é visto como frieza e insensibilidade em pessoas que não sabem de boxe e nas quais isso se deve à sua inclinação para uma determinada forma de vida intelectual.

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Utopia

Uma utopia é mais ou menos o equivalente de uma possibilidade; o facto de uma possibilidade não ser uma realidade significa apenas que as circunstâncias com as quais a primeira está articulada num determinado momento a impedem de ser a segunda, porque de outra forma ela mais não seria do que uma impossibilidade. Se essa possibilidade for liberta das suas dependências e puder desenvolver-se, nasce a utopia. É um processo semelhante àquele que se verifica quando um investigador observa a transformação de um elemento num composto para daí tirar as suas conclusões. A utopia é a experiência na qual se observam a possibilidade de transformação de um elemento e os efeitos que ela provocaria naquele fenómeno composto a que chamamos vida.