Citação de

A Subjectividade dos Comportamentos

Podemos ter para com as coisas que nos acontecem ou que fazemos uma atitude mais geral ou mais pessoal. Podemos sentir uma pancada não apenas como dor, mas também como ofensa, e neste caso ela torna-se cada vez mais insuportável; mas também aceitá-la desportivamente, como um obstáculo que não nos intimidará nem nos arrastará para uma ira cega, e então não é raro nem sequer darmos por ela. Neste segundo caso, porém, o que aconteceu foi apenas que integrámos essa pancada num contexto mais geral, o do combate, e em função disso a natureza do golpe revelou-se dependente da tarefa que tem de desempenhar. E precisamente este fenómeno, que leva a que um acontecimento receba o seu significado, e mesmo o seu conteúdo, mediante a sua inserção numa cadeia de acções consequentes, produz-se em todos os indivíduos que não o encaram apenas como acontecimento pessoal, mas como desafio à sua capacidade intelectual.
Também ele será mais superficialmente afectado nas suas emoções pelo que faz. Mas, estranhamente, aquilo que se vê como sinal de inteligência superior num pugilista é visto como frieza e insensibilidade em pessoas que não sabem de boxe e nas quais isso se deve à sua inclinação para uma determinada forma de vida intelectual. Estabelecem-se ainda muitas outras distinções para, de acordo com a situação, aplicar ou exigir uma conduta geral ou pessoal. No caso de um assassino que age friamente, fala-se de brutalidade sem limites; no de um professor que, mesmo nos braços da mulher, continua a resolver um problema, diz-se que é pedantismo seco; no de um político que sobe à custa de vidas destruídas, e dependendo do seu grau de êxito, será vileza ou grandeza; já dos soldados, dos carrascos e dos cirurgiões se exige uma impassibilidade que se condena noutros. Sem que haja necessidade de aprofundar a moral subjacente a estes exemplos, salta à vista a insegurança com que, de cada vez, se chega a um compromisso entre comportamentos objectiva ou pessoalmente correctos.