Textos sobre Identidade de Miguel Esteves Cardoso

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Textos de identidade de Miguel Esteves Cardoso. Leia este e outros textos de Miguel Esteves Cardoso em Poetris.

Fazer as Pazes

Para fazer as pazes é preciso haver uma guerra. Mas, quando não há uma guerra ou só a suspeita, ou ciúme, de haver uma ameaça, ou uma desatenção, de a paz que encanta e apaixona, se tornar num hábito, as pazes ficam feitas e celebra-se essa felicidade.
O conflito e a diferença de personalidades – a identidade pessoal de cada um e quanto estamos dispostos a sacrificarmo-nos por defendê-la – são grossamente exagerados. É a necessidade de se achar que se é diferente – nos afectos, nas necessidades – que provoca todos os mal-entendidos e a maior parte das infelicidades.
Muito ganharíamos – se perdêssemos só o que temos de perder e amargar -, se partíssemos do princípio que somos todos iguais, homens e mulheres, eu e tu, eles e nós. E que é o pouco que nos diferencia e distancia, por muito caro que nos saia, que consegue o milagre de tornarmo-nos mais atraentes uns aos outros.
As guerras imaginadas são mil vezes melhores do que as verdadeiras. A ilusão da diferença (de personalidades, sexos, sexualidades, culturas – e tudo o mais que arranjamos para chegar à ficção vaidosa que cada um é como é) passou a ser o que apreciamos ser a nossa nociva e dispensável individualidade.

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A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia

O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.

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Ser Português é Difícil

Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».

Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),

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