Textos sobre Ingleses

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Textos de ingleses escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Amar e Ser Livre ao mesmo Tempo

Tudo o que posso dizer é que estou louco por ti. Tentei escrever uma carta e não consegui. Estou constantemente a escrever-te… Na minha cabeça, e os dias passam, e eu imagino o que pensarás. Espero impacientemente por te ver. Falta tanto para terça-feira! E não só terça-feira… Imagino quando poderás ficar uma noite… Quando te poderei ter durante mais tempo… Atormenta-me ver-te só por algumas horas e, depois, ter de abdicar de ti. Quando te vejo, tudo o que queria dizer desaparece… O tempo é tão precioso e as palavras supérfluas… Mas fazes-me tão feliz… porque eu consigo falar contigo. Adoro o teu brilhantismo, as tuas preparações para o voo, as tuas pernas como um torno, o calor no meio das tuas pernas. Sim, Anais, quero desmascarar-te. Sou demasiado galante contigo. Quero olhar para ti longa e ardentemente, pegar no teu vestido, acariciar-te, examinar-te. Sabes que tenho olhado escassamente para ti? Ainda há demasiado sagrado agarrado a ti.

A tua carta… Ah, estas moscas! Fazes-me sorrir. E fazes-me adorar-te também. É verdade, não te dou o devido valor. É verdade. Mas eu nunca disse que não me dás o devido valor. Acho que deve haver um erro no teu inglês.

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O Engraxanço e o Culambismo Português

Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.
Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc… Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.

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O Antagonismo Racial

O elemento puramente instintivo não constitui senão uma pequena parte do ódio racial e não é difícil de vencer. O medo do que é estrangeiro, que é a sua principal essência, desaparece com a familiaridade. Se nenhum outro elemento o formasse, toda a perturbação desapareceria logo que pessoas de raças diferentes se habituassem umas às outras. Mas há sempre pretextos para se odiarem os grupos estrangeiros. Os seus hábitos são diferentes dos nossos e portanto (em nossa opinião) piores. Se triunfam, é porque nos roubam as oportunidades; se não triunfam, é porque são miseráveis vagabundos. A actual população do mundo descende dos sobreviventes de longos séculos de guerras e por instinto está à espreita de ocasiões de hostilidade colectiva.

O desejo de ter um inimigo fixa-se no coração desse instinto racista e constrói à sua volta um edifício monstruoso de crueldade e de loucura. Tais conflitos representam hoje uma catástrofe universal e não já somente, como outrora, um desastre para os vencidos: daí as inquietações do nosso tempo. É por isso que é mais importante do que nunca conseguir um certo grau de domínio racional sobre os nossos sentimentos destruidores.

Em geral o ódio racial tem duas origens,

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O Que Mais Contribui para a Felicidade

Já reconhecemos em geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que temos ou representamos. Importa saber o que alguém é e, por conseguinte, o que tem em si mesmo, pois a sua individualidade acompanha-o sempre e por toda a parte, e tinge cada uma das suas vivências. Em todas as coisas e ocasiões, o indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para os deleites físicos e muito mais para os intelectuais. Por isso, a expressão inglesa to enjoy one’s self é bastante acertada; com ela, dizemos, por exemplo, he enjoys himself at Paris, portanto, não «ele frui Paris», mas «ele frui a si em Paris». Entretanto, se a individualidade é de má qualidade, então todos os deleites são como vinhos deliciosos numa boca impregnada de fel.
Assim, tanto no bem quanto no mal, tirante os casos graves de infelicidade, importa menos saber o que ocorre e sucede a alguém na vida, do que a maneira como ele o sente, portanto, o tipo e o grau da sua susceptibilidade sob todos os aspectos. O que alguém é e tem em si mesmo, ou seja, a personalidade e o seu valor,

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O Dinheiro Financia as Circunstâncias

Já dizia o filósofo: eu sou eu e as minhas circunstâncias. Muito bem dito. Pois é o dinheiro que te permite financiar as tuas circunstâncias; se falta o dinheiro, ficas sozinho com o teu vazio, mero invólucro sem circunstância que valha um tostão furado: abandona-te essa mão oportuna que te daria uma palmada nas costas para cuspires o fiapo de frango meio mastigado que nesse momento te entope a glote não, não o digo por ti, Liliana, como podes pensar uma coisas dessas, estou a falar em termos gerais, bem sei que tu nunca me abandonarias); se tens dinheiro, pelo contrário, podes comprar companhia, um enfermeiro, uma enfermeira. Podes pagar a uma pedicura que te corte as unhas dos pés — uma tarefa que se te torna cada vez mais esgotante — e as lime para que não se dobrem e se cravem na carne, uma profissional hábil e cuidadosa que te extraia os calos e te desinfete essas perigosas feridas na planta do pé que a hiperglicemia ameaça tornar crónicas e que, se perdurarem e alastrarem, podem gangrenar e obrigar à amputação do membro; tendo dinheiro, podes dar-te ao luxo de contratar um massagista, um cabeleireiro que te corte o cabelo e te barbeie na cama,

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Reflexões sobre a Guerra

As vantagens do aumento da amplitude das unidades sociais são principalmente evidentes em caso de guerra. De resto, a guerra foi em todos os tempos a causa principal desse crescimento, da transformação das famílias em tribos, das tribos em nações e das nações em coligações. Nas muito embora seja grande o interesse das nações poderosas em triunfar, algumas começam a compreender que há qualquer coisa preferível à própria vitória, que é evitar a guerra. No passado, a guerra era às vezes uma empresa proveitosa. A Guerra dos Sete Anos, por exemplo, proporcionou aos ingleses excelente rendimento em relação ao capital nela empregado, e os lucros conseguidos pelos vencedores nas guerras primitivas foram ainda mais evidentes. Mas o mesmo não sucede nos conflitos modernos, por duas razões principais: primeiro, porque os armamentos se tornaram extremamente caros; segundo, porque os grupos sociais envolvidos numa guerra moderna são muito importantes.
É um erro pensar que a guerra moderna é mais destruidora de vidas do que o foram os conflitos menos importantes de outrora. Antigamente, a percentagem das perdas em relação aos efectivos envolvidos na luta era por vezes tão elevada como hoje; e além das perdas em combate, as mortes causadas pelas epidemias eram em geral numerosas.

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A Religião e o Jornalismo São as Únicas Forças Verdadeiras

Todas as artes são uma futilidade perante a literatura. As artes que se dirigem à visualidade, além de serem únicos os seus produtos, e perecíveis, podendo portanto, de um momento para o outro, deixar de existir, não existem senão para criar ambiente agradável, para distrair ou entreter — exactamente como as artes de representar, de cantar, de dançar, que todos reconhecem como sendo inferiores em relação às outras. A própria música não existe senão enquanto executada, participando portanto da futilidade das artes de representação. Tem a vantagem de durar, em partituras; mas essa não é como a dos livros, ou coisas escritas, cuja valia está em que são partituras acessíveis a todos os que sabem ler, existindo ali para a interpretação imediata de quem lê, e não para a interpretação do executante, transmitida depois ao ouvinte.
As literaturas, porém, são escritas em línguas diferentes, e, como não há possibilidades de haver uma língua universal, nem, se vier a havê-la, será o grego antigo, onde tantas obras de arte se escreveram, ou o latim, ou o inglês ou outra qualquer, e se for uma delas não será as outras, segue que a literatura, sendo escrita para a posteridade, não a atinge senão,

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O Orgulho Nacional

O tipo mais barato de orgulho é o orgulho nacional. Ele trai naquele que por ele é possuído a ausência de qualidades individuais, das quais ele se poderia orgulhar; caso contrário, não recorreria àquelas que compartilha com tantos milhões. Quem possui méritos pessoais distintos reconhecerá, antes, de modo mais claro, os defeitos da sua própria nação, pois sempre os tem diante dos olhos. Mas todo o pobre-diabo, que não tem nada no mundo de que se possa orgulhar, agarra-se ao último recurso, o de se orgulhar com a nação à qual pertence; isso faz com que se sinta recuperado e, na sua gratidão, pronto para defender com unhas e dentes todos os defeitos e desvarios próprios à tal nação. Desse modo, de cinquenta ingleses, por exemplo, haverá no máximo um que concordará connosco quando falarmos, com justo desprezo, da beatice estúpida e degradante da sua nação; mas esta única excepção será com certeza um homem de cabeça.

O Amor como Factor Civilizador

As provas da psicanálise demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo — casamento, amizade, as relações entre pais e filhos — contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em consequência da repressão. Isso acha-se menos disfarçado nas altercações comuns entre sócios comerciais ou nos resmungos de um subordinado em relação ao seu superior. A mesma coisa acontece quando os homens se reúnem em unidades maiores. Cada vez que duas famílias se vinculam por matrimónio, cada uma delas se julga superior ou de melhor nascimento do que a outra. De duas cidades vizinhas, cada uma é a mais ciumenta rival da outra; cada pequeno cantão encara os outros com desprezo. Raças estreitamente aparentadas mantêm-se a certa distância uma da outra: o alemão do sul não pode suportar o alemão setentrional, o inglês lança todo tipo de calúnias sobre o escocês, o espanhol despreza o português. Não ficamos mais espantados que diferenças maiores conduzam a uma repugnância quase insuperável, tal como a que o povo gaulês sente pelo alemão, o ariano pelo semita.
Quando essa hostilidade se dirige contra pessoas que de outra maneira são amadas,

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Mais umas poucas Dúzias de Homens Ricos

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? – Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico,

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A Tirania Intelectual do Número

«Uma das mais estranhas ideias do vulgo, previu Henry Maine, é que o sufrágio universal pode promover e promoverá progresso, criando novas ideias, novas invenções, novas artes. Mas as probabiblidades são para que só produza uma forma nociva de conservantismo». Temos de admitir, com os ingleses ricos em preconceitos, que a democracia é hostil ao génio e à arte. Porque ela só dá valor ao que cabe dentro da compreensão dos espíritos médios; quando vê erguer-se o palácio de um cinema, julga tratar-se do Pártenon; «se dependesse da assembleia ateniense nunca o mundo teria a Acrópole» (Plutarco, Vida de Péricles).
A tirania intelectual do número pode tornar-se tão torturante como a dos monarcas; em alguns estados americanos o conhecimento acima de um certo limite já é considerado coisa perigosa. A desconfiança que a democracia tem da individualidade decorre da teoria da igualdade; desde que todos são iguais, basta a contagem dos narizes para a descoberta da verdade ou a santificação de um costume. E a democracia não é apenas uma filha da era da máquina que governa por meio de «máquinas»; ainda encerra em si a potencialidade da mais terrível das máquinas – a compulsão dos ignorantes contra a diferença,

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Como te Tens Lembrado Hoje de Mim?

O que tens tu feito, amor? Andarás, como segunda-feira, cavaleiro andante a flirtar às janelas das ruas do Alto do Pina, com damas de cem anos?… Cem anos, pelo menos… Eu creio mesmo que tu disseste mais alguns… Sempre estás uma prenda, um espertalhão… Tenho que te educar convenientemente e ensinar-te que damas de cem anos e mulheres que fazem queijadas, não servem, ou pelo menos não devem servir, a quem tem a suprema felicidade de possuir uma mulher como eu, que sou uma pérola, ou por outra: um colar de pérolas, como ontem gentilmente me chamaste… Estás de acordo, não é verdade?

A tua pequenina fera está há imenso tempo ansiosa que a chuva acabe, para deitar o focinhito fora do covil, ao menos por cinco minutos; mas não há meio, o diabo da chuva continua a cair sem piedade e daqui a pouco a ferazinha sai mesmo com chuva e tudo. Há tanto tempo que não saio! Em horas de concentração de consciência, eu ponho-me a pensar que nunca julguei capaz que um homem pudesse fazer da Miss América, como muita gente me chamava dantes, esta burguezinha pacata, que, detrás dos vidros duma janela, passa a vida a fazer rendas,

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O Belíssimo Sonho do Preguiçoso Português

Quem se importa porém com isso? Trabalhar o menos possível sob a tutela do Estado que lhe garanta o suficiente à vida —, eis o sonho, o belíssimo sonho do preguiçoso português!
Do preguiçoso português, não digo bem, do preguiçoso latino; porque em todos os países desta família se estão notando, em flagrante oposição aos anglo-saxónios, as mesmas tendências as quais, no que particularmente respeita à França, não há muito vi afirmadas num livro dum escritor daquela nacionalidade que vós talvez conheçais — Gustave Le Bon.
Eu quero admitir, meus senhores, que sobre nós influi o clima, a raça, as tradições, o passado, em tanto quanto a geografia e a história podem influir no carácter dum povo. Não podemos então transformar-nos completamente, e utópico mesmo me parece o desejo dum dos homens a quem o ensino secundário em França mais deve, Demolins, expresso na sua obra sobre as causas da superioridade anglo-saxónica: — inglesa, se assim me posso exprimir, as sociedades latinas.
Mas sem essa conversão completa, sem mudarmos mesmo grande parte das nossas ideias, sem irmos de encontro a algumas das nossas tendências, e pormos de lado alguns dos nossos sentimentos, nós podíamos, parece-me a mim,

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Pensar o Meu País

Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso,

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A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia

O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.

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Ser Português é Difícil

Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».

Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),

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A Aspiração de Todo o Bom Português

Enquanto a aspiração de todo o bom português for, na frase de um escritor, um casamento rico e um emprego público; enquanto o diploma for o caminho mais seguro e cómodo para uma colocação certa embora pouco rendosa, e nos não disserem como um inglês ilustre a um professor da França que lhe mostrava os numerosos certificados das suas habilitações: «Nós não precisamos de diplomas, Senhor, precisamos de homens»; enquanto for uma inferioridade a vida de trabalho e um sinal de distinção a ociosidade, uma população numerosa e fútil há-de cursar as escolas secundárias e superiores, e tudo o que exige trabalho e rasgada iniciativa será abandonado; a agricultura, o comércio, a indústria, todas as fontes de riqueza nacional ficarão desaproveitadas, desprezadas, a meterem dó, quando podiam ser a honrosa ocupação de tantos e a salvação e a prosperidade de todos nós.

O Provincianismo Português (I)

Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,

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Os Elementos Fixadores da Personalidade

Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,

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A Vida é Ilegível

A vida, meu caro, é ilegível. Acontece
e desaparece. Não há inteligência
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida não surge em prosa
nem em poesia — e a existência não fala
inglês, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasões matreiras da publicidade e
dos filmes. Já não é mau.

Gonçalo M.