Textos Interrogativos de Séneca

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Saber Lidar com as Injúrias

Se o próprio Epicuro, que tanto cedeu ao corpo, se insurgiu contra as injúrias, porque hão-de nos parecer estas coisas incríveis ou sobre-humanas? Epicuro disse que, para o sábio, as injúrias são toleráveis; nós dizemos que, para o sábio, não há injúrias. E não digas que isto é estar em desacordo com a natureza: não negamos que seja desagradável ser fustigado, agredido ou ficar privado de um membro, mas negamos que estas coisas sejam injúrias; não contestamos o carácter doloroso, mas sim o nome de «injúria», o qual não podemos aceitar sem faltar à virtude. Veremos qual das duas doutrinas é mais verdadeira; mas, de qualquer forma, ambas desprezam a injúria.
Queres saber qual a diferença entre elas? É a mesma que existe entre dois gladiadores intrépidos: um que comprime a ferida e mantém-se em posição, o outro, virando-se para o público clamoroso, faz sinal de que nada se passou e pede para que não se pare o combate. Não julgues que aquilo em que discordamos é importante: no que diz respeito ao ponto principal, que é aquele que nos interessa, as duas doutrinas encorajam a desprezar as injúrias e o que eu chamaria sombras das injúrias e suspeições,

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A Amizade Ideal

Nada é mais agradável à alma do que uma amizade terna e fiel. É bom encontrarmos corações atenciosos, aos quais podes confiar todos os teus segredos sem perigo, cujas consciências receias menos do que a tua, cujas palavras suavizam as tuas inquietações, cujos conselhos facilitam as tuas decisões, cuja alegria dissipa a tua tristeza, cuja simples aparição te deixa radiante! Tanto quanto for possível, devemos escolher aqueles que estão livres de afecções: de facto, os vícios rastejam, passam de pessoa para pessoa com a proximidade e qualquer contacto com eles pode ser prejudicial.
Tal como numa epidemia, devemos ter o cuidado de não nos aproximarmos das pessoas afectadas, porque correremos perigo só de respirarmos perto delas, também, em relação aos amigos, devemos ter o cuidado de escolher aqueles que estão menos corrompidos: a doença começa quando se misturam os homens saudáveis com os doentes. Não estou, com isto, a exigir-te que procures e sigas apenas o sábio: de facto, onde encontrarás um homem destes, que procuro há tanto tempo? Procura o menos mau, antes de procurares o óptimo.
(…) Evitemos, sobretudo, os temperamentos tristes, que se lamentam de tudo e não deixam escapar uma única ocasião de se queixarem.

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Felicidade Calma

Incita esse teu amigo a animosamente não ligar importância a quem o censura por se acolher à obscuridade da vida privada, por desistir das suas grandezas, por ter preferido a tranquilidade a tudo o mais, apesar de poder ainda avançar na sua carreira. Mostra a essa gente que ele trata diariamente dos próprios interesses da forma mais útil. Aqueles que pela sua posição elevada suscitam a inveja geral nunca vivem em terreno firme: uns são derrubados, outros caem por si. Esse tipo de felicidade nunca conhece a calma, antes se excita sempre a si mesma. Desperta em cada um ideias de vários tipos, move os homens cada qual em sua direcção, lança uns numa vida de excessos, outros numa vida de luxúria, a uns enche-os de orgulho, a outros de moleza, mas a todos igualmente destrói.
Dirás tu: Há, todavia, quem aguente bem uma liberdade desse género”. Pois há, assim como há quem aguente bem o vinho. Por isso não existe o mínimo fundamento para te deixares persuadir que alguém é feliz pelo facto de viver rodeado de clientes; os clientes não buscam nele senão o mesmo que buscam num lago: beber até fartar e deixar a água suja!

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O Perigo nas Relações Humanas

Nas relações humanas o perigo é coisa de todos os dias. Deves precaver-te bem contra este perigo, deves estar sempre de olhos bem abertos: não há nenhum outro tão frequente, tão constante, tão enganador! A tempestade ameaça antes de rebentar, os edifícios estalam antes de cair por terra, o fumo anuncia o incêndio próximo: o mal causado pelo homem é súbito e disfarça-se com tanto mais cuidado quanto mais próximo está. Fazes mal em confiar na aparência das pessoas que se te dirigem: têm rosto humano, mas instintos de feras. Só que nestas apenas o ataque directo é perigoso; se nos passam adiante não voltam atrás à nossa procura. Aliás, somente a necessidade as instiga a fazer mal; a fome ou o medo é que as forçam a lutar. O homem, esse, destrói o seu semelhante por prazer. Tu, contudo, pensando embora nos perigos que te podem vir do homem, pensa também nos teus deveres enquanto homem. Evita, por um lado, que te façam mal, evita, por outro, que faças tu mal a alguém. Alegra-te com a satisfação dos outros, comove-te com os seus dissabores, nunca te esqueças dos serviços que deves prestar, nem dos perigos a evitar. Que ganharás tu vivendo segundo esta norma?

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A Única Qualidade Específica do Homem

Esforça-te por que não te suceda o mesmo que a mim: começar os estudos na velhice. E esforça-te tanto mais quanto enveredaste por um estudo que dificilmente chegarás a dominar mesmo na velhice. «Até que ponto poderei progredir?» – perguntas-me. Até ao ponto onde chegarem os teus esforços. De que estás à espera? O saber não se obtém por obra do acaso. O dinheiro pode cair-te em sorte, as honras serem-te oferecidas, os favores e os altos cargos poderão talvez acumular-se sobre ti: a virtude, essa, não virá ter contigo! Não é sem custo, sem grandes esforços, que chegamos a conhecê-la; mas vale bem a pena o esforço, porquanto de uma só vez se obtêm todos os bens possíveis. De facto, o único bem é aquele que é conforme à moral; nos valores aceites pela opinião comum não encontrarás a mínima parcela de verdade ou de certeza.
(…) Cada coisa é avaliada por uma qualidade específica. O valor da videira está na sua produtividade, o do vinho no seu sabor, o do veado na sua rapidez; o que nos interessa nas bestas de carga é a sua força, pois elas apenas servem para isso mesmo: transportar carga. Num cão a primeira qualidade é o faro,

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Não Somos Capazes de Distinguir o que é Bom e o que é Mau

Quantas vezes um pretenso desastre não foi a causa inicial de uma grande felicidade! Quantas vezes, também, uma conjuntura saudada com entusiasmo não constituiu apenas um passo em direcção ao abismo — elevando um pouco mais ainda alguém em posição eminente, como se em tal posição pudesse estar certo de cair dela sem risco! A própria queda, aliás, não tem em si mesma nada de mal se tomares em consideração o limite para lá do qual a natureza não pode precipitar ninguém. Está bem perto de nós o termo de tudo quanto há, está bem perto, garanto-te, o limite desta existência donde o venturoso se julga expulso e o desgraçado liberto; nós é que, ou por esperanças ou por receios desmesurados, a fazemos mais extensa do que realmente é. Se agires com sabedoria, medirás tudo em função da condição humana, e assim limitarás o espaço tanto das alegrias como dos receios. Vale bem a pena privarmo-nos de duradouras alegrias a troco de não sentirmos duradouros receios!
Por que motivo procuro eu restringir este mal que é o medo? É que não há razão válida para temeres o que quer que seja; nós, isso sim, deixamo-nos abalar e atormentar apenas por vãs aparências.

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Ninguém é Feliz quando Treme pela sua Felicidade

Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade. Não se apoia em bases sólidas quem tira a sua satisfação de bens exteriores, pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo contrário, um bem que nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre crescendo até ao nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o vulgo são bens efémeros. “E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar satisfação?” É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na nossa dependência, e não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada da fortuna pode ser proveitoso e agradável na condição de o seu beneficiário ser senhor de si próprio em vez de ser servo das suas propriedades. É um erro pensar-se, Lucílio, que a fortuna nos concede o que quer que seja de bom ou de mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos o material de coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.
O nosso espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a nossa vida no bom ou no mau sentido,

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Amizade Correcta

O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos. Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada. Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruína, faz-se, à volta, a solidão: os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova. Daí, todos esses escândalos: amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo! É inevitável que o fim concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;

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Controlar a Ansiedade

Quando receamos algum mal, o próprio facto de o recearmos atormenta-nos enquanto o aguardamos: teme-se vir a sofrer alguma coisa e sofre-se com o medo que se sente! Tal como nas doenças físicas há certos sintomas que pressagiam a moléstia – incapacidade de movimento, lassidão completa mesmo quando se não faz nenhum esforço, sonolência, calafrios por todo o corpo -, também um espírito débil se sente abalado, mesmo antes de qualquer mal se abater sobre ele: como que adivinha o mal futuro, e deixa-se vencer antes do tempo. Há coisa mais insensata do que nos angustiarmos com o futuro em vez de deixarmos chegar a hora da aflição, e atrairmos sobre nós todo um cúmulo de tormentos? Quando não é possível livrarmo-nos por completo da angústia, pelo menos adiemo-la tanto quanto pudermos. Queres ver como é verdade que ninguém deve atormentar-se com o futuro?
Imagina um homem a quem tenha sido dito que depois dos cinquenta anos será submetido a graves suplícios: ele permanece imperturbável enquanto não passa a metade desse espaço de tempo, altura em que começa a aproximar-se da angústia prometida para a segunda metade da sua vida. Por um processo semelhante sucede também que certos espíritos doentes sempre em busca de motivos para sofrer se deixam tomar de tristeza por factos já remotos e esquecidos.

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Reivindico o Meu Direito Próprio de Pensar

Queixas-te de teres aí falta de livros. Não interessa a quantidade, mas sim a qualidade: a leitura é proveitosa se for metódica, se apenas for variada torna-se um mero divertimento. Quem deseja chegar à meta que se propôs deve seguir um só caminho, e não vaguear por vários: de outro modo não viaja, deixa-se ir ao acaso.
(…) Confio, e muito, no pensamento dos grandes homens, mas reivindico o meu direito próprio de pensar. De resto eles não nos legaram verdades acabadas, mas sim sujeitas à investigação; e porventura teriam descoberto o essencial se não tivessem investigado também temas supérfluos. Mas gastaram tempo imenso em jogos de palavras, em discussões capciosas que aguçam inutilmente o engenho. Construimos argumentos tortuosos, empregamos termos de significação ambígua, finalmente desatamos toda a trama. Temos assim tanto tempo livre? Já sabemos como encarar a vida e a morte? O que devemos procurar, com todas as forças, é o modo de nos não deixarmos enganar pelas coisas, e não pelas palavras.
Para quê analisar as diferenças entre palavras sinónimas, que não causam dificuldade a ninguém a não ser em discussões de escola? As coisas enganam-nos: aprendamos a observá-las. Tomamos por bens coisas que o não são,

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Toda a Virtude Assenta na Justa Medida

Toda a virtude assenta na justa medida, e a justa medida baseia-se em proporções determinadas. A firmeza não pode sequer tentar elevar-se, e o mesmo se dirá da confiança, da verdade, da lealdade. Pode acrescentar-se alguma coisa àquilo que é perfeito? Nada, de outro modo não seria perfeito, pois algo se lhe acrescentou. Nada, por conseguinte, se pode adicionar à virtude, pois se tal fosse possível era porque algo lhe faltava. Também a honestidade não é passível de qualquer acréscimo, pois o que é a honestidade decorre do raciocínio acima exposto. E quanto ao mais, o respeito pelas normas sociais, a justiça, a legalidade, não achas que são conceitos do mesmo tipo, definidos por critérios igualmente rigorosos? Para uma coisa ser susceptível de acréscimo essa coisa tem de ser imperfeita. Todo o bem obedece a esta mesma lei: o interesse privado e o interesse público são tão dissociáveis como, que sei eu?, aquilo que merece o louvor se não distingue do que merece o nosso esforço. Por conseguinte, todas as virtudes são tão iguais entre si como todas as realizações da virtude e todos os homens dotados dessas virtudes.

A Inutilidade do Viajar

Que utilidade pode ter, para quem quer que seja, o simples facto de viajar? Não é isso que modera os prazeres, que refreia os desejos, que reprime a ira, que quebra os excessos das paixões eróticas, que, em suma, arranca os males que povoam a alma. Não faculta o discernimento nem dissipa o erro, apenas detém a atenção momentaneamente pelo atractivo da novidade, como a uma criança que pasma perante algo que nunca viu! Além disso, o contínuo movimento de um lado para o outro acentua a instabilidade (já de si considerável!) do espírito, tornando-o ainda mais inconstante e incapaz de se fixar. Os viajantes abandonam ainda com mais vontade os lugares que tanto desejavam visitar; atravessam-nos voando como aves, vão-se ainda mais depressa do que vieram. Viajar dá-nos a conhecer novas gentes, mostra-nos formações montanhosas desconhecidas, planícies habitualmente não visitadas, ou vales irrigados por nascentes inesgotáveis; proporciona-nos a observação de algum rio de características invulgares, como o Nilo extravasando com as cheias de Verão, o Tigre, que desaparece à nossa vista e faz debaixo de terra parte do seu curso, retomando mais longe o seu abundante caudal, ou ainda o Meandro, tema favorito das lucubrações dos poetas, contorcendo-se em incontáveis sinuosidades,

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A Alma é o Bem Supremo

Devemos circunscrever o bem supremo à alma: degradá-lo-emos se em vez da melhor parte de nós o associarmos antes à pior, se o pusermos na dependência dos sentidos que nos animais sem fala são bem mais apurados do que no homem. Não devemos atribuir ao corpo o ponto mais alto da nossa felicidade; os bens verdadeiros são aqueles que devemos à razão – bens firmes e duradouros, insusceptíveis de decadência, incapazes de padecerem qualquer decréscimo ou limitação! Os restantes bens são-no somente na opinião do vulgo; na realidade apenas têm de comum o nome com os bens verdadeiros, mas carecem das propriedades que distinguem um «bem» real. Chamemos-lhes antes «utilidades» ou, para usar o termo técnico, «recursos desejáveis», mas sem perder de vista que se trata de «utensílios», não de partes de nós mesmos; tenhamo-los à mão, mas sem esquecer que são exteriores a nós; e mesmo tendo-os à mão atribuamos-lhes um lugar subalterno e secundário, como coisas de que ninguém se deve orgulhar. Há coisa mais estúpida do que nos vangloriarmos de algo que não fizemos? Deixemos que todos esses falsos bens nos caibam em sorte mas sem se colarem a nós de modo a que, se ficarmos sem eles,

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A Vida em Pleno

Diariamente criticamos o destino: “Porque foi este homem arrebatado a meio da carreira? E aquele, porque não morre, em vez de prolongar uma velhice tão penosa para ele como para os outros?” Diz-me cá, por favor: o que achas tu mais justo, seres tu a obedecer à natureza ou a natureza a ti? Que diferença faz sair mais ou menos depressa de um sítio de onde temos mesmo de sair? Não nos devemos preocupar em viver muito, mas sim em viver plenamente; viver muito depende do destino, viver plenamente, da nossa própria alma. Uma vida plena é longa quanto basta; e será plena se a alma se apropria do bem que lhe é próprio e se apenas a si reconhece poder sobre si mesma. Que interessa os oitenta anos daquele homem passados na inacção? Ele não viveu, demorou-se nesta vida; não morreu tarde, levou foi muito tempo a morrer! “Viveu oitenta anos!”. O que importa é ver a partir de que data ele começou a morrer. “Mas aquele outro morreu na força da vida”. É certo, mas cumpriu os deveres de um bom cidadão, de um bom amigo, de um bom filho, sem descurar o mínimo pormenor; embora o seu tempo de vida ficasse incompleto,

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Deixa o que Seduz a Multidão

Se nós nada fizermos senão de acordo com os ditames da razão, também nada evitaremos senão de acordo com os ditames da razão. Se quiseres escutar a razão, eis o que ela te dirá: deixa de uma vez por todas tudo quanto seduz a multidão! Deixa a riqueza, deixa os perigos e os fardos de ser rico; deixa os prazeres, do corpo e do espírito, que só servem para amolecer as energias; deixa a ambição que não passa de uma coisa artificialmente empolada, inútil, inconsciente, incapaz de reconhecer limites, tão interessada em não ter superiores como em evitar até os iguais, sempre torturada pela inveja, e uma inveja ainda por cima dupla. Vê como de facto é infeliz quem, objecto de inveja ele próprio, tem inveja por outros.
Não estás a ver essas casas dos grandes senhores, as suas portas cheias de clientes que se atropelam na entrada? Para lá entrares, teria de sujeitar-te a inúmeras injúrias, mas mais ainda terias de suportar se entrasses. Passa frente às escadarias dos ricos senhores, aos seus átrios suspensos como terraços: se lá puseres os pés será como estares à beira de uma escarpa, e de uma escarpa prestes a ruir. Dirige ante os teus passos na via da sapiência,

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Ninguém Permanece Satisfeito Com o Que Tem

Ninguém permanece satisfeito com o que tem, olhando para o que é dos outros; é por isso que nos iramos até contra os deuses quando alguém nos ultrapassa, esquecidos dos homens que ficam para trás; e, quando há poucos homens para invejar, aqueles que seguem atrás de nós são invejosos terríveis. Mas o homem é tão mesquinho que, mesmo tendo recebido muito, considera-se injuriado se pudesse ter recebido mais. (…) Sobretudo, agradece aquilo que recebeste; aguarda pelo restante e alegra-te por não estares ainda satisfeito: é um prazer haver algo por que esperar. Venceste todos os homens: alegra-te por seres o primeiro no coração do teu amigo; foste vencido por muitos: considera quantos homens estão atrás de ti, mais do que quantos estão à tua frente. Queres saber qual é o teu maior vício? Fazes mal as contas: valorizas demasiado o que te oferecem, mas desvalorizas o que tens.

O Homem Perfeito

A virtude subdivide-se em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões adequadas, dar a cada um o que lhe é devido. Concebemos assim as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça, cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir de quê, então, concebemos nós a virtude? O que no-la revela é a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus actos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências. A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma. E como é que este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer-te.
O homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da fortuna, nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada. Não se revolta ante as desgraças como se elas fossem um mal originado pelo azar, mas como uma tarefa de que ele é encarregado. «Suceda o que suceder», — diz ele — «o caso é comigo;

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A Velocidade do Tempo é Infinita

A velocidade do tempo é infinita, e só quando olhamos para o passado, é que temos consciência disso. O tempo ilude quem se aplica ao momento presente, de tal modo é insensível a passagem do seu curso vertiginoso. Queres saber porquê? Porque todo o tempo passado se acumula num mesmo lugar; todo o passado é contemplado em bloco, forma uma totalidade; todo ele se precipita no mesmo abismo. De resto, não é possível delimitar grandes intervalos nesta nossa vida tão breve. A existência humana é um ponto, é menos que um ponto. Só por troça é que a natureza deu a tão diminuta existência a aparência de uma grande duração, dividindo-a em infância, em adolescência, em juventude, em período de transição da juventude à velhice, finalmente em velhice. Tantos períodos num tão exíguo espaço de tempo!
(…) Habitualmente não me parecia tão veloz a passagem do tempo; agora, porém, parece-me incrivelmente rápida, talvez porque sinto aproximar-se o fim, talvez porque passei a dar-lhe atenção e a avaliar o desgaste que em mim provoca.
Por isso mesmo me causa indignação ver como as pessoas gastam em futilidades a maior parte de uma vida que, mesmo dispendida com a maior parcimónia,

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A Felicidade é Modesta e não Ambiciosa

Aqui tens o que posso dizer-te constantemente, a matéria que poderei estar sempre a debater, pois ambos vemos à nossa roda inúmeros milhares de pessoas inquietas que, a fim de obterem algo de altamente nocivo, andam com perseverança a praticar o mal, sempre à procura de coisas que logo a seguir deixam de lhes interessar, ou mesmo as enchem de repulsa! Já viste alguém contentar-se com uma coisa que, antes de a obter, lhe parecia mais que suficiente? A felicidade, ao contrário da opinião corrente, não é ambiciosa, mas sim modesta, e por isso mesmo nunca sacia ninguém. Tu pensas que aquilo que satisfaz o vulgo é elevado porque ainda estás longe da perfeição estóica; para quem a alcançou, tudo isso é absolutamente rasteiro! Minto: para quem começou a subir até esse nível, pois o ponto que tu pensas ser já o mais alto não passa de um degrau. Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava. A maior parte das pessoas sente admiração por coisas que só ao fim de algum tempo se revelam ilusórias;

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Agradar ao Vulgo é Mau Sinal

«Nunca pretendi agradar ao vulgo; daquilo que eu sei o vulgo não gosta, daquilo que o vulgo gosta não quero eu saber.» Quem é o autor? Pareces pensar que eu ignoro que pessoa é o meu discípulo!… É Epicuro; mas o mesmo te dirão os mestres de todas as outras escolas, peripatéticos, académicos, estóicos, cínicos. Como pode de facto agradar ao vulgo alguém a quem só a virtude agrada? Não se conquista o favor popular por processos limpos. Terás de igualar-te primeiro ao vulgo, que só te aprovará quando te considerar um dos seus. Ora para a tua formação a opinião que tenhas sobre ti mesmo importa muito mais do que a dos outros. A amizade de pessoas dúbias só se concilia por processos dúbios.
Em que te ajudará nisto a filosofia, essa arte excelsa que a tudo sobreleva? Precisamente em levar-te a querer agradar mais a ti do que ao vulgo, a avaliar a qualidade, e não o número, das pessoas que emitem juízos sobre ti, a viver sem temor dos deuses ou dos homens, a poder vencer a adversidade ou a pôr-lhe cobro.