Citação de

Exercitar a Vontade Naquilo que Podemos Ter de Melhor

Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o fĂ­sico, e na escassez dos que ginasticam a inteligĂȘncia; na afluĂȘncia que tĂȘm os gratuitos espectĂĄculos desportivos, e na ausĂȘncia de pĂșblico durante as manifestaçÔes culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espĂĄduas musculadas. E penso sobreutdo nisto: se o corpo pode, Ă  força de treino, atingir um grau de resistĂȘncia tal que permite ao atleta suportar a um tempo os murros e pontapĂ©s de vĂĄrios adversĂĄrios, que o torna apto a aguentar um dia inteiro sob um sol abrasador, numa arena escaldante, todo coberto de sangue – nĂŁo serĂĄ mais fĂĄcil ainda dar Ă  alma uma tal robustez que a torne capaz de resistir sem ceder aos golpes da fortuna, capaz de erguer-se de novo ainda que derrubada e espezinhada?! De facto, enquanto o corpo, para se tornar vigoroso, depende de muitos factores materiais, a alma encontra em si mesma tudo quanto necessita para se robustecer, alimentar, exercitar. Os atletas precisam de grande quantidade de comida e bebida, de muitos unguentos, sobretudo de um treino intensivo: tu, para atingires a virtude, nĂŁo precisarĂĄs de dispender um tostĂŁo em equipamento! Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti. Para seres um homem de bem sĂł precisas de uma coisa: a vontade.
Em que poderĂĄs exercitar melhor a tua vontade do que no esforço para te libertares da servidĂŁo que oprime o gĂ©nero humano, essa servidĂŁo a que atĂ© os escravos do mais baixo estrato, nascidos, por assim dizer, no meio do lixo, tentam por todos os meios eximir-se? O escravo gasta todas as economias que fez Ă  custa de passar fome para comprar a sua alforria; e tu, que te julgas de nascimento livre, nĂŁo estĂĄs disposto a gastar um centavo para garantires a verdadeira liberdade?! Escusas de olhar para o cofre, que esta liberdade nĂŁo se compra. Por isso te digo que a «liberdade» a que se referem os registos pĂșblicos Ă© uma palavra vĂŁ, pois nem os compradores nem os vendedores da alforria a possuem. O bem que Ă© a liberdade terĂĄs tu de dĂĄ-lo a ti mesmo, de o reclamar a ti mesmo! Liberta-te, para começar, do medo da morte (jĂĄ que a ideia da morte nos oprime como um jugo), depois do medo da pobreza. Para te convenceres de que a pobreza nĂŁo Ă© em si um mal bastar-te-ĂĄ comparares o rosto dos pobres com o dos ricos. Um pobre ri com mais frequĂȘncia e convicção; nenhuma preocupação o aflige profundamente; mesmo que algum cuidado se insinue nele depressa passarĂĄ como nuvem ligeira.