A Única Qualidade Específica do Homem
Esforça-te por que não te suceda o mesmo que a mim: começar os estudos na velhice. E esforça-te tanto mais quanto enveredaste por um estudo que dificilmente chegarás a dominar mesmo na velhice. «Até que ponto poderei progredir?» – perguntas-me. Até ao ponto onde chegarem os teus esforços. De que estás à espera? O saber não se obtém por obra do acaso. O dinheiro pode cair-te em sorte, as honras serem-te oferecidas, os favores e os altos cargos poderão talvez acumular-se sobre ti: a virtude, essa, não virá ter contigo! Não é sem custo, sem grandes esforços, que chegamos a conhecê-la; mas vale bem a pena o esforço, porquanto de uma só vez se obtêm todos os bens possíveis. De facto, o único bem é aquele que é conforme à moral; nos valores aceites pela opinião comum não encontrarás a mínima parcela de verdade ou de certeza.
(…) Cada coisa é avaliada por uma qualidade específica. O valor da videira está na sua produtividade, o do vinho no seu sabor, o do veado na sua rapidez; o que nos interessa nas bestas de carga é a sua força, pois elas apenas servem para isso mesmo: transportar carga. Num cão a primeira qualidade é o faro, se o destinamos a seguir a pista da caça, a velocidade, se queremos que ele persiga as feras, a coragem, se pretendemos que as ataque à dentada. Em cada ser, portanto, há uma qualidade que predomina, para cujo exercício nasce, e em virtude da qual é avaliado. Ora qual é a qualidade suprema do homem? A razão: graças a ela o homem supera os outros animais e aproxima-se dos deuses. Por conseguinte, o bem específico do homem é a razão perfeita, todas as suas restantes qualidades são-lhe comuns com os animais e as plantas. O homem tem força: também os leões. É belo: também os pavões. É veloz: também os cavalos. Não digo que em relação a todas estas qualidades ele seja superado, nem me interessa qual a qualidade que o homem tem mais desenvolvida, mas sim qual é a sua qualidade única, específica. O homem tem corpo: também as árvores. Tem capacidade de se mover instintiva e voluntariamente: os animais e os vermes também. Tem voz: mas muito mais sonora é a voz do cão, mais estridente a da águia, mais grave a do touro, mais doce e ágil a do rouxinol. Qual é a qualidade exclusiva do homem? A razão: quando a razão é plena e consumada proporciona ao homem a plenitude. Por conseguinte, uma vez que cada coisa quando leva à perfeição a sua qualidade específica se torna admirável e atinge a sua finalidade natural, e uma vez que a qualidade específica do homem é a razão, o homem torna-se admirável e atinge a sua finalidade natural quando leva a razão à perfeição máxima. À razão perfeita chamamos a virtude, a qual é também o bem moral.