Textos sobre Lugares de Miguel Esteves Cardoso

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Textos de lugares de Miguel Esteves Cardoso. Leia este e outros textos de Miguel Esteves Cardoso em Poetris.

Um Segredo de um Casamento Feliz

Desde que a Maria João e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caí na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu não percebo nada sobre o casamento.

Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento.

Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar.

O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam.

O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade.

Quando esse filho é amado por ambos os casados – que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento é feliz. Não basta que os casados se amem um ao outro.

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Até a Pessoa Amada Voltar

Até ela, a pessoa amada, voltar, o tempo não corre como costuma correr. Atrasa-se e detém-se. Suspende-se e atrapalha-nos. Move-se de um lado para o outro. Arrasta os lugares: aqueles onde ela está e aquele (a nossa casa) onde eu espero por ela.

Esperar é um sofrimento mas também se aprende a esperar. Olhar para um relógio é a pior coisa que se pode fazer porque esses quantificadores malévolos são contabilistas automatizados que sabem contar todos os tempos, excepto os tempos de quem ama, espera e tem medo.

Não são capazes de contar os tempos de todas as pessoas dotadas de um corpo com coração e alma. Que somos todos, quer queiramos, quer não. Quem é que quer? Ninguém. E de que nos serve? De nada. Até ela, a pessoa amada, voltar, a única coisa que podemos fazer é a que mais nos custa: esperar que ela volte. Mas quando é que ela volta? Os minutos podem não ser anos mas os quartos-de-hora são semanas inteiras.

Mesmo saber que ela, a pessoa amada, voltará é difícil. Até acreditamos que queira voltar. Mas preocupamo-nos: e se ela não puder voltar? Pensar nisso é como morrer vivo sem pensar nisso.

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Os Amigos São Pessoas que se Preferem

Se há um lugar onde a integridade própria não é ameaçada pela falta de verdade e pela ausência de liberdade, ele é, sem dúvida, a amizade. Os amigos são pessoas que se preferem. Cada amigo é, por isso, uma rejeição de muitas outras. Querer ser «amigo de toda a gente», usar indeliberadamente as palavras amigo e amiga para descrever todos os conhecimentos indistintivamente, prezar a amizade como valor abstracto sem investir energicamente numa prática particular – tudo isto é um egoísmo guloso, escondendo a frieza e o interesse em reificações abstrusas de conceitos demasiado gerais, inevitavelmente presos a visões fraudulentas da «humanidade».

Recear a criação de inimigos é querer impedir, logo à partida, a criação de uma amizade. Uma das tragédias da nossa idade é a invasão do domínio pessoal por valores que pertencem apenas ao domínio social. Assim, a liberdade, por exemplo, passou a ser um verdadeiro constrangimento do amor, da amizade. Certas noções de autonomia acabam por destruir a base profunda de uma relação humana séria e sentida: a lealdade. Não se pode querer amar e ser amado sem prescindir daquilo que se preza ser a «liberdade». A lealdade é um constrangimento que se aceita e que se cumpre em nome de algo (de alguém) que se julga (porque se ama) mais precioso que a liberdade.

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O Preço da Pressa

O castigo de ser feliz é o tempo passar depressa. O castigo de ser triste é o tempo não passar. A recompensa de não conseguir ser nem triste nem feliz, permanecendo indiferente, é o tempo passar devagar. Se todos os dias nascemos – os que temos a sorte de amar, mais a suspeita de sermos, talvez, amados – todos os dias morremos cedo de mais.

Se me perguntassem quanto tempo passei com a Maria João, nos últimos 15 anos, eu teria muitas dificuldades em não responder 15 dias ou até 15 minutos, por não saber mostrar e justificar até esse pouco tempo que passámos.

Ainda ontem acordámos às oito da manhã. Mas, às sete da tarde, apesar de termos passado o dia juntos, pareceu-nos que nos tinham roubado o dia inteiro; que tínhamos acabado de nos conhecermos.

Passo do amor à política, por amor ao meu país. A despedida do conhecido e comprovado José Sócrates deveria ter sido tão generosamente saudada como foi recebida a vitória do simpático mas inexperiente Passos Coelho.

O tempo, a ocasião e a sorte parecem ser coisas parecidas – mas são coisas muito diferentes. O ponto de vista,

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O Amor Português não é um Fenómeno Ternurento

Do carinho e do mimo, toda a gente sabe tudo o que há a saber — e mais um bocado. Do amor, ninguém sabe nada. Ou pensa-se que se sabe, o que é um bocado menos do que nada. O mais que se pode fazer é procurar saber quem se ama, sem querer saber que coisa é o amor que se tem, ou de que sítio vem o amor que se faz.

Do amor é bom falar, pelo menos naqueles intervalos em que não é tão bom amar. Todos os países hão-de ter a sua própria cultura amorosa. A portuguesa é excepcional. Nas culturas mais parecidas com a nossa, é muito maior a diferença que se faz entre o amor e a paixão. Faz-se de conta que o amor é uma coisa — mais tranquila e pura e duradoura — e a paixão é outra — mais doída e complicada e efémera. Em Portugal, porém, não gostamos de dizer que nos «enamoramos», e o «enamoramento» e outras palavras que contenham a palavra «amor» são-nos sempre um pouco estranhas. Quando nós nos perdemos de amores por alguém, dizemos (e nitidamente sentimos) que nos apaixonamos. Aqui, sabe-se lá por que atavismos atlânticos,

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O Meu Maior Medo

O amor em todo o coração e em toda a parte se procura. Já anima a possibilidade de ser encontrado e a incerteza de não passar o resto da vida sem poder amar e sem poder ser amado. O que custa é acreditar naquilo que se tem, quando todos os dias, ao longo de longos anos, se consegue encontrar esse amor que se procura, na pessoa que se ama e no lugar e no tempo – aqui, agora, daqui a bocadinho – em que mais gostamos de encontrá-lo.
Hoje a Maria João e eu fazemos doze anos de casados e a única esperança que eu tinha – que se tornasse mais fácil acreditar na sorte que me coube na pessoa que ela é e na cegueira de olhar uma segunda vez para mim – acabou por ser mentira.
Há um castigo para tudo: até para a maior felicidade. É o medo não só que tudo acabe mas que se descubra, de alguma maneira, que nunca tenha começado. Por exemplo, se ela se apaixonasse por outra pessoa.
«Não vai durar, não pode durar, é bom de mais para durar»: é isto que repito no êxtase da minha alegria roubada ao sol,

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A Portugalite

Entre as afecções de boca dos portugueses que nem a pasta medicinal Couto pode curar, nenhuma há tão generalizada e galopante como a Portugalite. A Portugalite é uma inflamação nervosa que consiste em estar sempre a dizer mal de Portugal. É altamente contagiosa (transmite-se pela saliva) e até hoje não se descobriu cura.

A Portugalite é contraída por cada português logo que entra em contacto com Portugal. É uma doença não tanto venérea como venal. Para compreendê-la é necessário estudar a relação de cada português com Portugal. Esta relação é semelhante a uma outra que já é clássica na literatura. Suponhamos então que Portugal é fundamentalmente uma meretriz, mas que cada português está apaixonado por ela. Está sempre a dizer mal dela, o que é compreensível porque ela trata-o extremamente mal. Chega até a julgar que a odeia, porque não acha uma única razão para amá-la. Contudo, existem cinco sinais — típicos de qualquer grande e arrastada paixão — que demonstram que os portugueses, contra a vontade e contra a lógica, continuam apaixonados por ela, por muito afectadas que sejam as «bocas» que mandam.

Em primeiro lugar, estão sempre a falar dela. Como cada português é um amante atraiçoado e desgraçado pela mesma mulher,

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Cada Vez Nos Casamos Mais

Ao fim de 14 anos, cada vez que eu olho para a minha mulher, cada dia que acordo ao lado dela, o que mais me comove e impressiona é precisamente a novidade de vê-la, poder amá-la, ter a sorte de ser amado por ela.
Cada coisa que fazemos é ao mesmo tempo antiquíssima – como uma cerimónia que construímos juntos só para nós os dois – e novíssima, pelo desejo e pelo entusiasmo de lá estar, naquele lugar que ela abriu para mim e ela no lugar que só é dela, que sou eu.

O casamento é só uma palavra: é verdade. Mas também pode ser a vontade de casarmos e ficarmos casados, todos os dias, com a mesma pessoa que amamos.
Cada vez nos casamos mais. As diferenças dela vão cabendo cada vez melhor nas minhas. Cada vez somos, a Maria João e eu, mais livres de sermos como somos, cada um de nós, e de sermos como somos, nós os dois.
Ela torna-se mais ela; eu torno-me mais eu, ela e eu com menos medo que o outro fuja por causa disso. Mas com medo à mesma. E ganância de viver e curiosidade em saber como é que o décimo quinto ano vai ser melhor do que este.

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