Textos sobre Maior de Fernando Pessoa

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Textos de maior de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

A Mulher Virgem e o Amor

A mulher virgem, em geral, nĂŁo ama o homem com quem casa, embora frequentemente de tal se persuada: gosta dele, e esse gostar, que Ă© uma amizade, provocada em geral pelo amor do homem por ela, somando-se ao instinto sexual insatisfeito, ou seja Ă  atracção sexual abstracta, forma um composto semi-emotivo que dá a ilusĂŁo do amor, (…) as suas emoções — aquela parte da sexualidade que nĂŁo Ă© sĂł sexual — ficam insatisfeitas. Nuns casos o instinto maternal, exercendo-se no aparecimento dos filhos, ou satisfaz essas emoções ou as esbate e acalma; noutros casos, a vida imaginativa consegue, em maior ou menor grau, satisfazĂŞ-las. Há casos, porĂ©m, em que ficam insatisfeitas e entĂŁo sĂł o fundo moral seguro e a […] moral forte, ou o senso […] e medroso da respeitabilidade social, podem — quando podem, e isso depende muito do temperamento que está por trás d’essas emoções — resistir ao aparecimento, quando e se ele se der, do homem em quem essas emoções se possam concentrar. Em todo o caso, e para bem moral dos resultados, o melhor Ă© o homem nĂŁo aparecer.

SĂł o maior dos sensos morais e da honestidade do dever pode evitar um desastre.

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A Sociedade Ă© Baseada no Instinto Individual

A vida de uma sociedade Ă©, fundamentalmente, uma vida de acção. As relações dos indivĂ­duos adentro dela, sĂŁo, fundamentalmente, relações entre as actividades, entre as acções, deles. As relações dessa sociedade com outras sociedades – sejam essas relações de que espĂ©cie forem – sĂŁo relações de qualquer espĂ©cie de actividade, sĂŁo relações de acção. É, portanto, pelas faculdades que conduzem Ă  acção que o indivĂ­duo Ă© directamente social. Ora, como a ciĂŞncia constata que sĂŁo os instintos, os hábitos, os sentimentos – tudo quanto em nĂłs constitui o inconsciente, ou o subconsciente – que levam Ă  acção, segue que Ă© pelos seus instintos, pelos seus hábitos, pelos seus sentimentos – e nĂŁo pela sua inteligĂŞncia – que o indivĂ­duo Ă© directamente social.
Por que espécie de instintos, porém, é que o indivíduo é directamente social? Alguns dos seus instintos, como o instinto de conservação e o instinto sexual, são sociais apenas indirectamente. Servindo-os, o indivíduo serve, em último resultado, a sociedade a que pertence, porque, mantendo a sua vida, mantém a vida de um elemento componente da sociedade a que pertence, e, propagando a espécie, contribui para a continuidade de vida dessa sociedade; mas nem um, nem outro, desses instintos tem um fim directamente social.

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As Pessoas Riam-se de Mim

A minha susceptibilidade a certo tipo de sustos (medo) era grande. Na rua, um homem caminhando na minha direcção, isto é, na direcção contrária, tirou da algibeira um lenço à minha frente; comecei de imediato a pensar, inconscientemente, acho, que estava a tirar uma arma ou um revólver.
A minha vista curta — nem sempre, mas excessivamente no que respeita aos traços das pessoas, aos gestos — afectava o meu cérebro desequilibrado. A minha imaginação interpretava mal o carácter dos seus olhares. Distorcia, não sabia explicar porquê, a intenção e o significado dos seus gestos. O meu próprio sentido de audição era débil; aplicava a mim próprio, retorcendo-as, as palavras que captava. Via em cada palavra um termo destinado a ofender-me, em cada frase, mal apanhada, a sombra e o vislumbre de um insulto.
As pessoas na rua riam-se: riam-se de mim. A minha vista débil não me deixava destruir esta ilusão. Não me atrevia a pôr os óculos que tinha no bolso, pois temia que as minhas desconfianças se revelassem fundadas.
Ansiava por ter uma grande auto-estima, para que a minha pessoa me fizesse esquecer de mim próprio. Desejava, oh, como desejava! — o impulso de me dedicar aos outros para que eles me fizessem esquecer de mim.

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