Virtude Representa Muito Mais que Bondade
Parece-me que a virtude Ă© coisa diferente e mais nobre do que as inclinaçÔes para a bondade que nascem em nĂłs. As almas bem ajustadas por si mesmas e bem nascidas seguem o mesmo andamento e apresentam nas suas açÔes a mesma aparĂȘncia que as virtuosas. PorĂ©m a virtude significa nĂŁo sei quĂȘ de maior e mais activo do que, por uma Ăndole favorecida, deixar-se conduzir docemente e tranquilamente na esteira da razĂŁo. Aquele que com uma doçura e complacĂȘncia naturais menosprezasse as ofensas recebidas faria coisa mui bela e digna de louvor; mas aquele que, espicaçado e ultrajado atĂ© o Ăąmago por uma ofensa, se armasse com as armas da razĂŁo contra o furioÂso apetite de vingança e apĂłs um grande conflito finalmenÂte o dominasse, sem a menor dĂșvida seria muito mais. Aquele agiria bem, e este virtuosamente: uma acção poder-Âse-ia dizer bondade; a outra, virtude, pois parece que o nome de virtude pressupĂ”e dificuldade e oposição, e que ela nĂŁo pode se exercer sem combate. Talvez seja por isso que chamamos Deus de bom, forte e liberal, e justo; mas nĂŁo O chamamos de virtuoso: Os Seus actos sĂŁo todos natuÂrais e sem esforço.
Metelo, o Ășnico de todos os senadores romanos a se ter proposto,
Textos sobre ViolĂȘncia de Michel de Montaigne
4 resultadosA Acção Vai Bem sem a Paixão
Fazemos coisas iguais com forças diversas e diferente esforço de vontade. A acção vai bem sem a paixĂŁo. Pois quantas pessoas se arriscam diariamente em guerras que nĂŁo lhes importam, e se sujeitam aos perigos de batalhas cuja perda nĂŁo lhes perturbarĂĄ o prĂłximo sono? Um homem na sua casa, longe desse perigo que nĂŁo teria ousado encarar, estĂĄ mais interessado no desfecho dessa guerra e tem a alma mais inquieta do que o soldado que pĂ”e nela o seu sangue e a sua vida. Essa impetuosidade e violĂȘncia de desejo mais atrapalha do que auxilia a condução do que empreendemos, enche-nos de acrimĂłnia e suspeição contra aqueles com quem tratamos. Nunca conduzimos bem a coisa pela qual somos possuĂdos e conduzidos.
Quem emprega nisso apenas o seu discernimento e a sua habilidade procede com mais vivacidade: amolda, dobra, difere tudo Ă vontade, de acordo com as exigĂȘncias das circunstĂąncias; erra o alvo sem tormento e sem aflição, pronto e intacto para uma nova iniciativa; avança sempre com as rĂ©deas na mĂŁo. Naquele que estĂĄ embriagado por essa intensidade violenta e tirĂąnica vemos necessariamente muita imprudĂȘncia e injustiça; a impetuosidade do seu desejo arrebata-o: sĂŁo movimentos temerĂĄrios e, se a fortuna nĂŁo ajudar muito,
As InfluĂȘncias no Estado de EspĂrito
Agora estou disposto a fazer tudo, agora a nada fazer; o que me é um prazer neste momento em alguma outra vez me serå um esforço. Acontecem em mim mil agitaçÔes desarrazoadas e acidentais. Ou o humor melancólico me domina, ou o colérico; e, com a sua autoridade pessoal, neste momento a tristeza predomina em mim, neste momento a alegria. Quando pego em livros, terei captado em determinada passagem qualidades excelentes e que terão tocado a minha alma; quando uma outra vez volto a deparar com ela, por mais que a vire e revire, por mais que a dobre e apalpe, é para mim uma massa desconhecida e informe.
Mesmo nos meus escritos nem sempre reencontro o sentido do meu pensamento anterior: nĂŁo sei o que quis dizer, e amiĂșde me esfalfo corrigindo e dando-lhe um novo sentido, por haver perdido o primeiro, que valia mais. NĂŁo faço mais que ir e vir: o meu julgamento nem sempre caminha para a frente; ele flutua, vagueia, Como um barquinho frĂĄgil surpreendido no vasto mar por uma tempestade violenta (Catulo).
Muitas vezes (como habitualmente me advĂ©m fazer), tendo tomado para defender, por exercĂcio e por diversĂŁo, uma opiniĂŁo contrĂĄria Ă minha,
Nos Extremos Ă© que EstĂĄ a Sabedoria
Pode-se dizer que, muito plausivelmente, hĂĄ uma ignorĂąncia abecedĂĄria que precede o saber e uma outra, doutoral, que se lhe segue, ignorĂąncia esta que o saber produz e engendra da mesma maneira que desfaz e destrĂłi aqueloutra. Dos espĂritos simples, menos curiosos e menos instruĂdos, fazem-se bons cristĂŁos, que, por reverĂȘncia e obediĂȘncia, com simplicidade, crĂȘem e mantĂȘm-se submissos Ă s leis. Ă nos espĂritos de vigor e capacidade mĂ©dios que se engendram as opiniĂ”es errĂłneas, pois eles seguem a aparĂȘncia das suas primeiras impressĂ”es e tĂȘm pretextos para interpretar como simpleza e estultĂcia o nosso apego aos antigos usos, considerando que nĂłs aĂ nĂŁo chegĂĄmos por via do estudo dessas matĂ©rias.
Os grandes espĂritos, mais avisados e clarividentes, constituem um outro gĂ©nero de bons crentes: por meio de uma aturada e escrupulosa investigação, penetram nas Escrituras atĂ© atingir uma luz mais profunda e abstrusa, e entendem o misterioso e divino segredo da nossa polĂtica eclesiĂĄstica. Vemos, porĂ©m, alguns, com maravilhoso proveito e com consolidação da sua fĂ©, chegarem, atravĂ©s do segundo, a este Ășltimo nĂvel, como o extremo limite da inteligĂȘncia cristĂŁ, e rejubilar na sua vitĂłria com refrigĂ©rio, acçÔes de graças, reformas dos costumes e grande modĂ©stia. NĂŁo entendo nesta categoria situar aqueloutros que,