A verdade és tu. O que mais que se segue já não interessa à conversa. Excepto para demonstrares essa verdade, em movimento de recuo.
Passagens de Vergílio Ferreira
496 resultadosA fé é uma esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a dúvida.
O que se Sente não se Consegue Dizer
O que habitualmente se sofre (se sente) não se pode contar. Não é só porque isso é normalmente ridículo (porque a grande maior parte do que se pensa e sente é ridículo) e só o que é grande é que cai bem e vale portanto a pena dizer-se. É que o dizer-se altera o que se diz. O sentir é irredutível ao dizer. Só o estar sofrendo diz o sofrer. Na palavra ninguém o reconhece ou reconhece-o de outra maneira, essa maneira em que já o não reconhece o que o conta. Mas dizia eu que a generalidade do que se pensa, sente, é ridícula. São raros os momentos de «elevação». A quase totalidade do tempo passamo-la distraídos, alheados em ideias sem interesse, nascidas de coisas sem interesse, as coisas que vai havendo à nossa volta ou no nosso divagar imaginativo ou que nem sequer chega a haver porque há só a abstracção total no quedarmo-nos pregados às coisas que nem vemos nem nos despertam ideia alguma e estão ali apenas como ponto de fixação do nosso absoluto vazio interior.
Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.
Porque Não Te Calas?
O silêncio – porque não te calas? Decerto, como depois da morte, cair-te-á em cima uma horda de malfeitores que se defendem na calúnia e no insulto para seres tu a defender-te da ofensa deles. Ser o primeiro a caluniar é ficar logo por cima. A não ser, como nas aldeias, que respondas com outro insulto. E a razão ficará então com quem tiver melhor pulmadura.
Ser forte à custa alheia é ser fraco à custa própria.
Toda a vida mental é uma construção no abismo de nós com um real como pretexto ou rampa de lançamento.
Os Revolucionários Existirão Sempre
Os revolucionários existirão sempre, porque a esperança do homem é infinita ou o seu sonho infinito. Mas toda a realização, porque é realização, é obviamente finita. Conceber portanto o fim da história é absurdo. Curiosamente, a revolução do homem começou com a revolução religiosa, ou seja, com o combate à religião. Devia vir no fim. Antes de haver cidades houve cemitérios — e foi do cemitério que se partiu para a ideação da cidade. O reino dos céus devia ser prometido depois do reino da terra. E se calhar viria a sê-lo de novo, quando a terra fosse do homem. O ciclo que se fecha. (Mas a terra nunca será do homem. E muito menos de «quem a trabalha», porque é só dos que dizem que é.)
Disseste ou escreveste milhões ou muitos milhares de palavras. E deve haver nessa nebulosa uma estrela que seja a tua. Não a saberás nunca.
Por Entre os Sons da Música
Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encobertaacena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.
A verdade faz-se com a força ou o desplante com que se nega ou afirma; com a razão faz-se apenas um parecer.
Todos podemos saber uma coisa desagradável de alguém. E esse alguém pode saber que sabemos. E nós sabermos que sabe. No entanto não gosta que o digamos. Quem fica mais a sabê-lo se o dissermos?
O amor destrói. A amizade constrói.
Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber ‘de que se trata’. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?
A vaidade do artista é uma defesa contra os que o negam.
‘O inferno são os outros’ – disse Sartre. E é sobretudo por isso que se usam óculos escuros.
Como é subtil, milimétrico o desequilíbrio do que escrevemos. Um breve desvio e é logo o insuportável para o leitor. Tudo porque a sua liberdade é o seu mais alto privilégio. E é assim difícil que se nos submeta.
Só à distância se admira alguém, no tempo ou no espaço, porque nos não faz concorrência. Sinto que enfim começo a ser aceite. Sinal de que já vou sendo do passado.
Quanto mais alto se sobe, mais longe é o horizonte.
Uma convicção é mais uma forma de estarmos com os outros do que connosco ou os argumentos que tivermos.