Passagens de Vergílio Ferreira

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Frases, pensamentos e outras passagens de Vergílio Ferreira para ler e compartilhar. Os melhores escritores estão em Poetris.

A superstição é mais forte do que a religião – disse alguém. Naturalmente porque a religião é uma superstição mais civilizada. E a barbárie sempre teve mais força.

Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.

Somos Uma Surpresa Para Nós Próprios

Como serão em privado as pessoas que conhecemos? Quanta surpresa se o soubéssemos. Porque nós, instintivamente, tendemos a julgá-las idênticas dentro e fora de si. Mas o que somos por fora é o que aceitamos que o seja e é o que os outros estabeleceram. Tal fanfarrão na praça pública pode ser um chilro piegas quando lá não está ou um medricas quando a coisa é a sério (Não dizia Aristóteles que os grandes atletas eram maus soldados?). Ou inversamente. O que aceita para si a imagem exterior de um mole, de um tíbio, de um encolhido de comportamento – no interior de si, e quando for caso disso, pode ser um obstinado de dente rilhado. Há um estilo de se ser que se adopta por convenção generalizada, orientação de uma época, obrigação protocolar no modo de nos manifestarmos.
(…) As regras de comportamento em grandezas chegam só à porta da rua ou ao menos da do quarto ou seguramente à da casa de banho. E daí para dentro, vale tudo, ou seja a regra somos nós. E é então que sabemos quem somos ou quem é aquele que consentimos que seja ou em que medida respeitamos em nós o que respeitamos nos outros.

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A verdadeira pergunta é inocente e é por isso mais própria da criança. A resposta perdeu já a inocência e é assim mais própria do adulto.

O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.

O Valor do Valor

Todos os valores se desmoronam à nossa volta, como sabemos, e interrogamo-nos sobre que valor poderia nascer ou resistir. Mas porque não pões em causa o próprio valor do valor? Porque dizer valor é já dizer que o é. Como o sabes? Admite por agora que é melhor não perguntares.

Só o Homem Sabe que é Mortal

A única certeza da vida é a morte. E é a certeza em que menos se acredita. Toda a história do mundo assentou sempre na ignorância de que se é mortal. Aqueles mesmo que o sabem não o vêem — a não ser em instantes de excepção. Que seria o mundo com essa evidência sempre presente? Só o homem sabe que é mortal. Mas raramente o homem sobe até si. O animal pesa nele, mesmo no que não é do animal. Assim a arte, a cultura, poucas vezes funcionam como o que é para o espírito, sendo para o que é da nossa grosseria.

A Nossa Morte

O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível – morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado.

Retomo ao Ponto de Partida

Retomo, pois, ao ponto de partida
como um presente, o ponto de chegada.
Entre um começo e outro não há nada
Excepto o nada da vida vivida.

Desgaste, corrosão do que de novo
em velho se mudou antes de o ser,
etc.

Porque o que mais custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é estar farto.

Escrever bem, escrever mal. Assentemos neste princípio: nem todo o tipo que escreve mal é estúpido; mas todo o tipo que é estúpido escreve mal.

Um deles era muito inteligente e aprendeu tudo, entendeu tudo e levou isso tudo consigo quando morreu. O outro era razoavelmente estúpido e inventou um modelo aperfeiçoado de aguça-lápis. E existiu mais.

Toda a Realidade é Redutora

Viajar não é realizar o imaginário que nos excita antes da viagem mas sim exterminá-lo. O deslumbramento é do que se imagina e não do que realizou esse imaginar. Nós pensamos numa terra longínqua e confusamente admitimos que essa distância é sensível quando lá estivermos. Ora quando lá estivermos há o real que desmistifica o imaginário, há o lá, como aqui, num sítio limitado por um horizonte totalmente presente e não tocado da ausência que havia na imaginação. Mesmo os seus elementos característicos que tiver, uma vez realizados, perdem a magia na sua realização. Eis porque precisamos às vezes de rever num mapa a sua localização para de algum modo lhe restaurarmos a distãncia. Tudo se solidifica na concretização do real, tudo se desvanece aí da sua figuração. A grande força do real é a do que está para lá dele, porque toda a realidade é redutora.

A moda é uma variante oblíqua de se lutar contra a morte. Ora na velhice tal luta é mais problemática. E é por isso que no velho a moda é mais ridícula.

A Verdade Está em Todo o Lado

Tantas vezes nos dizem isso: você não é católico, mas tem um fundo católico; você não é comunista (ou socialista, ou social-democrata, etc.) mas no fundo é pelo comunismo (ou,ou); você diz que não é crente, mas o seu fundo é de. Etc. E a razão é a de que todos os movimentos ou doutrinas têm de basear-se no que se supõe a verdade e a justiça. O erro começa quando se particularizam. Ser «no fundo» isto ou aquilo é quedar-se no limite. Mas para os fervorosos é não se ter a coragem de uma caracterização.

O Que é a Felicidade ?

– Que é a felicidade?
– Portanto, a felicidade é sentirmo-nos portanto de bem com a vida.
– Pronto, a felicidade é termos, pronto, aquilo que pronto mais desejamos.
– A felicidade exactamente é termos exactamente aquilo que exactamente nós queremos.
– A felicidade não é? é estarmos contentes, não é? connosco mesmos.
– A felicidade, quer dizer, é ambicionarmos, quer dizer só o que nos é necessário.
– A felicidade, porra, é a gente, porra, não estar chateado, porra.
– A felicidade an an… é an…
São sete «bordões». Mas há mais. Quase toda a gente os usa. São os intervalos em que vamos pensando uma resposta ou simples exposição. Como talvez o gaguejar de um gago.