Passagens de Adélia Prado

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Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor.

Eu mesma não entendo minha enormíssima paciência de ficar à toa, só pensando, pensando e sentindo.

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor me fere é debaixo do braço, de um vão entre as costelas, atinge o meu coração é por esta via inclinada

Eu acho que Deus é uma projeção humana, é um desejo infinito que nós temos de adoração, e de algo que nos suspende com o sentido absoluto.

Os Lugares-Comuns

Quando o homem que ia casar comigo
chegou a primeira vez na minha casa,
eu estava saindo do banheiro, devastada
de angelismo e carência. Mesmo assim,
ele me olhou com olhos admirados
e segurou minha mão mais que
um tempo normal a pessoas
acabando de se conhecer.
Nunca mencionei o facto.
Até hoje me ama com amor
de vagarezas, súbitos chegares.
Quando eu sei que ele vem,
eu fecho a porta para a grata surpresa.
Vou abri-la como o fazem as noivas
e as amantes. Seu nome é:
Salvador do meu corpo.

A gente tem sede de infinito e de permanência, então, esse ser que assegura a permanência das coisas, é que eu chamo de Deus. É o absoluto.

Minha mãe achava estudo a coisa mais linda do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Quero você na minha frente, extático, (…) e eu para todo o sempre olhando, olhando, olhando…

Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba. Esmero.

A vida é muito bonita, basta um beijo e a delicada engrenagem movimenta-se, uma necessidade cósmica nos protege.

Me dão mingaus, caldos quentes, me dão prudentes conselhos, eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa.

Quero comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa.