Passagens de Camilo Castelo Branco

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O Princípio do Amor Tem Oito Dias de Alienação Moral

Nada de lógica nem de retórica. Os principiantes do amor cuidam que é da tarifa devorarem no silêncio, antes de se revelarem, as melhores frases que tinham para convencer. Grande contrasenso. Parecem-se com os caçadores novatos, que atiram à perdiz quando ela vai muito longe do alcance do chumbo. Fia-te em mim, Castro. A mulher que principia a amar tem oito dias de alienação moral. O espirito anda-lhe à solta, e um hábil caçador apanha-lho, e depois… como sabes do teu Genuense, a alma é uma substância acomodada para governar o corpo. Pilhada a alma, o corpo, sem governo, é uma nau desmastreada, sem leme, à mercê das ondas…

O amor faz a mulher varonil. Temos visto almas de lama apresentarem uma energia corajosa, quando o tónico do amor lhes vibra as cordas embrionárias de um coração, que parece arfar de improviso ao repentino choque, ao rapto da paixão violenta.

Tenho sido muito curioso em reparar na maneira como se vestem alguns homens, que pretendem distinguir-se na sociedade, seja pelo que fôr. Tive sempre para mim que a primeira condição de um homem banal, e sincerameute tolo, é o cuidado com que ele compõe a gola do seu casaco, de modo que não discrepe uma linha do talhe que o alfaiate lhe deu. Ha aí muita frivolidade nesse espirito, que se considera tanto mais sublime, quanto pode manter-se direito entre os colarinhos da camisa, e verticalmente equilibrado entre as duas asas do laço da sua gravata.

O orgulho, em homem pobre, é uma paixão terrível. No rico expande-se em pompas, que deslumbram os seus inimigos. No outro respira pela vingança surda, quando o não devora lentamente.

Há um ideal comum a todos, ideal que dispensa consumo de ideias: coisa em si materialíssima, que se chama ideal em virtude de tácita convenção, feita há cinco mil anos, de nos enganarmos uns aos outros, e cada qual a si.

Os homens entendem-se pelas palavras, e eu gosto de quem não está a fazer uma grande mastigada de palavras bonitas para dizer o que se diz em duas palavras. (…) Eu gosto da franqueza, e a gente muitas vezes perde por falar de mais e falar de menos.

No coração de uma linda mulher, quem ousa limitar ambições? Não é certo que os maus pensamentos, ao transluzirem nos olhos imperiosos dela, depuram-se ali da sua maldade, para despertarem grandes virtudes no coração do homem? Que é a mulher neste mundo, senão um ente privilegiado, para quem as leis repressivas são uma injúria? Como é que o homem, com a frágil feitura do seu código de leis, ousa intimidar, punir, julgar e condenar uma aspiração sempre grandiosa, como são todas as aspirações desferidas na harpa intima do coração da mulher-anjo?

O Homem Pensador e a Mulher Faladora

O homem pensador é necessariamente taciturno. A mulher faladora não consegue atordoar-lhe o espírito, mas faz-lhe nos ouvidos a traquinada intolerável de uma matraca. A matraca afuguenta do coração todas as quimeras do amor. Não vos caseis com homem pensador, mulheres que falais um momento antes de pensar o que direis. O amor —se vo-lo pode inspirar tal homem—fará que não fecheis olhos velando-lhe a doença; fará que lhe sacrifiqueis os haveres, a reputação e a vida; fará tudo que humanamente pode fazer um anjo de sacrifício, mas não vos fará calar. O feudo mais pesado que uma tal mulher pôde impôr a um homem é — a obrigação de ouvi-la.

A ofensa que tal mulher nunca perdoa é — a insolência de ouvi-la, sem escutá-la. Vejam num dicionário a diferença das duas palavras. Escutar é querer ouvir. Uma bela mulher, capaz de extremos, tentou a franqueza do amante que, em vésperas de matrimonio, lhe disse: «não faltes tanto.» A noiva pesou estas palavras, reflectiu, calculou as suas forças, chorou, atormentou-se, e disse: «não me casarei: é impossível calar-me.» Para que me não tomem isto como anedota, é preciso dizer-lhes que esta mulher foi acerbamente ferida no seu orgulho.

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Um verdadeiro amigo não é só o homem que sofreu, e diz com palavras comovidas a sua historia àquele que pode contar-Ihe outra. Energia de alma, sentimentos vividos, simpatia ardente, riquezas do coração, são essas as que retribuem uma confidência.

O primeiro amor: é a harpa do coração ainda não estreada, é o amor infantil, cujos vagidos não têm pronuncia. É o amor e a religião, a religião e a poesia. Não venha algum, vanglorioso do seu cinismo, desmentir-me! O relapso, desmemoriado dos tempos em que creu e esperou, não se envergonhe do respeito religioso que lhe idealisara as suas primeiras paixões. Todo o homem é poeta!

O arrependimento inventa carinhos novos, e a inocência parece vingar-se, perdoando, e sorrindo ao algoz, que exora o perdão com lágrimas.

Os homens que não descaem ou fingem não descair da mocidade tão depressa, assombram-se da mudança que dez anos fazem no rosto e nas almas das mulheres suas contemporâneas.