Boa Noite
Boa noite, meu amor, – diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, nĂŁo vĂŞs?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida…O cĂ©u Ă© aquela folha onde deixei perdida
a histĂłria de um amor, que te contei talvez,
– hoje, nela eu nĂŁo creio, e tu tambĂ©m nĂŁo crĂŞs,
– mas, para que falar nessa histĂłria esquecida?…Boa noite, meu amor… VĂŞ se sonhas tambĂ©m…
“Um castelo encantado… um paĂs muito alĂ©m
e um prĂncipe ao teu lado amoroso e cortĂŞs…”Com o cĂ©u azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar…vou sonhar contigo, minha querida,
vê se sonhas também comigo alguma vez!.
Passagens sobre Céu
1151 resultadosEmprego e Desemprego do Poeta
Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verĂŁo as manhĂŁs de domingo
NĂŁo lhe digais que Ă© mĂŁo-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesiaPublicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
pĂşblia hortĂŞnsia de castro ou vitĂłria colonna
todas aquelas que mais Ăntimo morreram
nĂŁo fizeram tanto por se imortalizarOh que agradável nĂŁo Ă© ver um poeta em exercĂcio
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lĂŞ-los o mais arguto crĂtico em vĂŁo procuraria
quem evitasse a guerra maiĂşsculas-minĂşsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmĂŁos
o poeta em exercĂcio Ă© como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarãoChorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como sĂŁo compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pĂ´r as mĂŁos
O coração de uma mulher é uma parte dos céus; mas como o firmamento, muda noite e dia.
Canção da Inocência Perdida
1
O que a minha mĂŁe dizia
NĂŁo pode ser bem verdade:
Que uma vez emporcalhada
Nunca passa a sujidade.
Se isto nĂŁo vale pra a roupa
Também não vale pra mim.
Que o rio lhe passe por cima
Breve fica branca, assim.2
Como qualquer pataqueira
Aos onze anos já pecava.
Mas sĂł ao fazer catorze
O meu corpo castigava.
A roupa já estava parda,
No rio a fui mergulhar.
No cesto está virginal
C’mo sem ninguĂ©m lhe tocar.3
Sem ter conhecido algum
Já eu tinha escorregado.
Fedia aos Céus, como uma
BabilĂłnia de pecado.
A roupa branca no rio
Enxaguada Ă roda, Ă roda,
Sente que as ondas a beijam:
«Volta-me a brancura toda».4
Quando o primeiro me amou
Abracei-o eu também.
Senti no ventre e no peito
Ir-se a maldade pra além.
Assim acontece Ă roupa
E a mim acontecerá.
A água corre depressa,
Sujidade diz: Vem cá!5
Mas quando os outros vieram
Um ano mau começou.
O homem está colocado onde termina a terra;a mulher onde começa o céu.
A vida é muito veloz, faz-nos ir do céu ao inferno numa questão de segundos.
Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.
Soneto De Maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.Raia a aurora tĂŁo tĂmida e tĂŁo fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rostoCarregado de inveja e de presságio
Dos irmĂŁos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto…
A Salvação do Mundo
Os anjos levaram as igrejas…
Anjos envergonhados, de grandes asas tristes,
que fugiam, escondendo o rosto,
nas pregas dos mantos, que os incĂŞndios enegreciam.
Levaram as igrejas, os santos e os milagres.
E os homens ficavam olhando o céu,
os homens que tinham deixado os anjos levar as igrejas,
de mĂŁos postas, ajoelhados.
As mĂŁos que eram para nĂŁo deixar os anjos levar as igrejas.
Mas os homens já não sabiam,
e os anjos julgaram que eles nĂŁo queriam as igrejas para nada.A terra vazia e os homens de mĂŁos postas, ajoelhados.
EntĂŁo surgiram os anjos de extermĂnio.
E as longas espadas flamejantes
deceparam as cabeças dos homens ajoelhados,
que tinham fechado a porta das igrejas na cara da verdade.
Torre de Névoa
Subi ao alto, Ă minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que sĂŁo meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! …”Calaram-se os poetas, tristemente …
E Ă© desde entĂŁo que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao cĂ©u! …
Como (dona Prassede) dizia frequentemente aos outros e a si mesma, todo o seu empenho era atender aos desejos do céu: mas muitas vezes cometia um grande erro, que era o de tomar o céu pelo seu cérebro.
O poeta procura apenas a exaltação e a expansão, isto é, procura um mundo onde se possa distender. Pretende ele, simplesmente, enfiar a cabeça nos céus, ao passo que o lógico se esforça por enfiar os céus na cabeça. E é a cabeça que estala.
Porto inseguro
A liberdade bate Ă minha porta,
tĂŁo carente de mim, pedindo abrigo.
Quero ampará-la e penso que consigo
detê-la, mas seria tê-la morta.Livre para pairar num céu sem peias,
na solidĂŁo de um vĂ´o sem destino,
por que perder, nos olhos de águia, o tino,
vindo a quem se agrilhoa sem cadeias?Deusa das asas! Seu vagar escapa
a meus sentidos, seu desejo alcança
tudo que a mim se esconde atrás da capa.Vá embora daqui! Siga seu rumo!
Sou prisioneiro, um órfão da esperança
e arrasto um vĂ´o cego em chĂŁo sem prumo.
LXXV
Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusĂŁo veio animar-me.
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos cĂrios
Que brilhavam na paz da noite estranha.Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do cĂ©u tombei aos caos dos meus martĂrios,
Sem saber para que subi tĂŁo alto…
Alguma coisa há mais perigosa do que a ignorância, e é não a conhecer; porque todas as ignorâncias humanas, que são mais inumeráveis do que as estrelas do céu, a pior de todas, a mais fatal, a mais fecunda de infinitos desastres, é a ignorância da própria ignorância.
O Teu Riso
Tira-me o pĂŁo, se quiseres,
tira-me o ar, mas
nĂŁo me tires o teu riso.NĂŁo me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.A minha luta Ă© dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que nĂŁo muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de sĂşbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.Ri-te da noite,
Acordo de Noite Subitamente
Acordo de noite subitamente,
E o meu relĂłgio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora.
O meu quarto Ă© uma cousa escura com paredes vagamente
brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
SĂł o relĂłgio prossegue o seu ruĂdo.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima
da minha mesa
Abafa toda a existĂŞncia da terra e do cĂ©u…
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da
boca,
Porque a Ăşnica cousa que o meu relĂłgio simboliza ou
significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez…
Beleza
Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? – ama.Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura…
Mas Beleza Ă© isso? – NĂŁo; sĂł formosura.Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
– Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mĂŁe Ă© a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama! – O mais puro do fogo dos cĂ©us
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz… Ă© a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.
LĂşcia
(Alfred de Musset)
Nós estávamos sós; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂŞnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂşrio; parecia a nota
De aura longĂnqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂşpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂamos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bálsamos;
A várzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sós estávamos
E tĂnhamos quinze anos!LĂşcia era loura e pálida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!Nem um som despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂbia sombra dormia-lhe na fronte,
Abre-me as Portas, MĂŁe
Abre-me as portas, mĂŁe, enquanto as estrelas
buscam em mim agora a treva infinda,
sem luz alguma no meu olhar a vĂŞ-las
nessa cegueira a ser da altura vinda.
Assim, mĂŁe, invado tua noite, a sabĂŞ-las
eternamente em pĂł na luz que Ă© finda
sĂł para mim, que vou comigo pelas
manhĂŁs nascendo todas cegas ainda.
Como fazĂŞ-las ser de novo vivas?
Como, se nunca delas fui um conviva
Ă s vidas feitas festas para as vistas?
Para arrancá-las da morte onde as pus,
quero essa noite, Ăł mĂŁe, roubada Ă luz
do céu que, embora cega, tu conquistas.