Passagens sobre Chuva

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Frases sobre chuva, poemas sobre chuva e outras passagens sobre chuva para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Contra a Esperança

É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.

É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhãs.
E não se espera muito.
Só um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vão esconde.

O universo é um telhado
com sua calha tão baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.

É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.

E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.

Um balde a mais
na esperança.

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Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

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Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar…

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? – Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…

A religião assemelha-se à chuva: quando cai em bom terreno, refresca as plantas e fá-las crescer

A religião assemelha-se à chuva: quando cai em bom terreno, refresca as plantas e fá-las crescer.

Na Tua Voz, Irmão

Estavam sentados e não falavam. Cada um olhava para um lado que não via. Atrás dos rostos tristes, cismavam. Pensando, Moisés dizia palavras ao irmão, esperançado de que ele as ouvisse; no pensamento, dizia será um instante e trará a solidão. Pela primeira vez, gritaremos o nome um do outro. Já reparaste?, nunca precisámos de nos chamar. Não sei como é o meu nome na tua voz. Na tua voz, irmão, irmão. Não sei como é o teu nome na minha voz. Pela primeira vez, gritaremos o nome um do outro, e o desespero será a antecâmara de uma dor triste a que nos habituaremos, como se habitua um homem sem coração ao espaço negro no peito. Viveste sempre na minha vida, e eu estive sempre contigo quando sorriste. Hoje, a solidão. Desapareceremos um do outro, deixaremos de ser nós para sermos só tu e só eu. Mas não esqueceremos. E lembrarmo-nos será o maior sofrimento, recordarmos o que fomos onde estivermos e não podermos ser mais nada nesse dia. Lembrarmo-nos de quando acordávamos e olhávamos um para o outro, pois tínhamos acordado ao mesmo tempo e tínhamos ao mesmo tempo pensado em ver-nos. Lembrarmo-nos de falar na nossa maneira de falar,

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Como te Tens Lembrado Hoje de Mim?

O que tens tu feito, amor? Andarás, como segunda-feira, cavaleiro andante a flirtar às janelas das ruas do Alto do Pina, com damas de cem anos?… Cem anos, pelo menos… Eu creio mesmo que tu disseste mais alguns… Sempre estás uma prenda, um espertalhão… Tenho que te educar convenientemente e ensinar-te que damas de cem anos e mulheres que fazem queijadas, não servem, ou pelo menos não devem servir, a quem tem a suprema felicidade de possuir uma mulher como eu, que sou uma pérola, ou por outra: um colar de pérolas, como ontem gentilmente me chamaste… Estás de acordo, não é verdade?

A tua pequenina fera está há imenso tempo ansiosa que a chuva acabe, para deitar o focinhito fora do covil, ao menos por cinco minutos; mas não há meio, o diabo da chuva continua a cair sem piedade e daqui a pouco a ferazinha sai mesmo com chuva e tudo. Há tanto tempo que não saio! Em horas de concentração de consciência, eu ponho-me a pensar que nunca julguei capaz que um homem pudesse fazer da Miss América, como muita gente me chamava dantes, esta burguezinha pacata, que, detrás dos vidros duma janela, passa a vida a fazer rendas,

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Aconteceu-Me Do Alto Do Infinito

Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e través estranhos ritos

De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…

Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma cousa de alma do que é meu.

Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…

A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo, porque sempre faz tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima.

Aboio De Ternura Para Uma Rês Desgarrada Para Astrid Cabral

Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.

Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhãs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.

E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.

Te sabias folha de relva da ravina
irmã de Whitman e do Khayam simum
próxima do teu gado e rês da própria sina.

As Balas

Dá o Outono as uvas e o vinho
Dos olivais o azeite nos é dado
Dá a cama e a mesa o verde pinho
As balas dão o sangue derramado

Dá a chuva o Inverno criador
As sementes da sulcos o arado
No lar a lenha em chama dá calor
As balas dão o sangue derramado

Dá a Primavera o campo colorido
Glória e coroa do mundo renovado
Aos corações dá amor renascido
As balas dão o sangue derramado

Dá o Sol as searas pelo Verão
O fermento ao trigo amassado
No esbraseado forno dá o pão
As balas dão o sangue derramado

Dá cada dia ao homem novo alento
De conquistar o bem que lhe é negado
Dá a conquista um puro sentimento
As balas dão o sangue derramado

Do meditar, concluir, ir e fazer
Dá sobre o mundo o homem atirado
À paz de um mundo novo de viver
As balas dão o sangue derramado

Dá a certeza o querer e o concluir
O que tanto nos nega o ódio armado
Que a vida construir é destruir
Balas que o sangue derramado

Que as balas só dão sangue derramado
Só roubo e fome e sangue derramado
Só ruína e peste e sangue derramado
Só crime e morte e sangue derramado.

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Tempestade Amazônica

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.

Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto o trovão repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Movimento

Se tu és a égua de âmbar
eu sou o caminho de sangue
Se tu és o primeiro nevão
eu sou quem acende a fogueira da madrugada
Se tu és a torre da noite
eu sou o cravo ardendo em tua fronte
Se tu és a maré matutina
eu sou o grito do primeiro pássaro
Se tu és a cesta de laranjas
eu sou o punhal de sol
Se tu és o altar de pedra
eu sou a mão sacrílega
Se tu és a terra deitada
eu sou a cana verde
Se tu és o salto do vento
eu sou o fogo oculto
Se tu és a boca da água
eu sou a boca do musgo
Se tu és o bosque das nuvens
eu sou o machado que as corta
Se tu és a cidade profunda
eu sou a chuva da consagração
Se tu és a montanha amarela
eu sou os braços vermelhos do líquen
Se tu és o sol que se levanta
eu sou o caminho de sangue
Tradução de Luis Pignatelli

É possível avançar por ruas durante toda a vida, perder as forças nas pernas, cair de joelhos e morrer, transformar-se lentamente, com a chuva, com os anos, no empedrado da calçada, diluir-se entre as pedras, como pó, como água, desaparecer.

Caminharemos de Olhos Deslumbrados

Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.

No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.

Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.

Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.

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Chuva

Chuva, caindo tão mansa,
Na paisagem do momento,
Trazes mais esta lembrança
De profundo isolamento.

Chuva, caindo em silêncio
Na tarde, sem claridade…
A meu sonhar d’hoje, vence-o
Uma infinita saudade.

Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh’alma descansa.
— Que perfeita intimidade!…

fingir que está tudo bem

fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.