Muitos creem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixá-los continuar nessa crença. Perante um que me julgue um mero critico, eu só falo crítica. A principio fazia isto espontaneamente. Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos, (…).
Passagens de Fernando Pessoa
1382 resultadosNão posso aceitar Jeová, nem a humanidade. Cristo e o progresso são para mim mitos do mesmo mundo. Não creio na Virgem Maria nem na electricidade.
A sublimidade de desperdiçar uma vida que podia ser útil, de nunca executar uma obra que por força seria bela, de abandonar a meio caminho a estrada certa da vitória!
Não confessar nunca o que intimamente se passa convosco. Quem confessa é um débil.
Já não me importo
Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda ireiIndiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.
O santo chora, e é humano. Deus está calado. Por isso podemos amar o santo, mas não podemos amar a Deus.
Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…
E nós não nos perguntávamos para que era aquilo, porque gozávamos o saber que aquilo não era para nada.
Todos os caminhos vão dar ao mesmo lugar.
O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.
O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torporNa sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
Quando é que o cativeiro
Quando é que o cativeiro
Acabará em mim,
E, próprio dianteiro,
Avançarei enfim?Quando é que me desato
Dos laços que me dei?
Quando serei um facto?
Quando é que me serei?Quando, ao virar da esquina
De qualquer dia meu,
Me acharei alma digna
Da alma que Deus me deu?Quando é que será quando?
Não sei. E até então
Viverei perguntando:
Perguntarei em vão.
A política é um erro de vaidade daqueles que nascem para cocheiros.
O verdadeiro sábio é aquele que assim se dispõe que os acontecimentos exteriores o alterem minimamente. Para isso precisa couraçar-se cercando-se de realidades mais próximas de si do que os factos, e através das quais os factos, alterados para de acordo com elas, lhe chegam.
Não podendo ter a maravilhosa e natural saúde de não ter opinião nem sonhos, esforcemo-nos ao menos por adquirir a artificial saúde da renúncia.
É notável que toda a obra de fôlego, pelo qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.
Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.
Sou uma espécie de carta de jogar, de naipe antigo e incógnito, restando única do baralho perdido. Não tenho sentido, não sei do meu valor, não tenho a quem me compare para que me encontre, não tenho a que sirva para que me conheça.
Abat-Jour
A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma belezaSobre o chão que é meu.
No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.Bem sei … Era dia
E longe de aqui…
Quanto me sorria
O que nunca vi!E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar…