Sobre o Falso
Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que não são. Outros há de melhor fé, que nasceram falsos, se enganam a si próprios o nunca vêem as coisas tal como são. Há alguns cujo espírito é estreito e o gosto falso. Outros têm o espírito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que não têm nada de falso, nem no gosto nem no espírito. Estes são muito raros, já que, em geral, não há quase ninguém que não tenha alguma falsidade algures, no espírito ou no gosto.
O que torna essa falsidade tão universal, é que as nossas qualidades são incertas e confusas e a nossa visão também: não vemos as coisas tal como são, avaliamo-las aquém ou além do que elas valem e não as relacionamos connosco da forma que lhes convém e que convém ao nosso estado e às nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um número infinito de falsidades no gosto e no espírito: o nosso amor-próprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparência de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento,
Passagens de François de La Rochefoucauld
553 resultadosQuando não encontramos o repouso em nós próprios, é inútil ir procurá-lo noutro lado.
Há pessoas a quem os defeitos assentam bem e outras que caem em desgraça apesar das suas boas qualidades.
Mais ingrato é aquele que ajuda o outro, com o intuito de ser louvado, do que aquele que não agradece.
No amor, quem se cura primeiro é quem fica mais bem curado.
Os vícios entram tanto na composição das virtudes como os venenos na dos remédios.
Cada sentimento tem um tom de voz, gestos e expressões que lhe são próprios. E é esta relação, boa ou má, agradável ou desagradável, que faz que as pessoas agradem ou desagradem.
Os homens são quase igualmente difíceis de satisfazer quando amam muito, e quando já amem bem pouco.
Não devemos julgar os méritos de um homem pelas suas boas qualidades, e sim pelo uso que delas faz.
Poucos são tão sensatos que prefiram a censura que lhes é útil, à lisonja que os atraiçoa.
No amor, o engano vai quase sempre mais longe do que a desconfiança.
Há poucas coisas impossíveis em si mesmas; mas a aplicação para as levar a bom termo falta-nos mais que os meios.
Não basta ter boas qualidades, é necessário tê-las com moderação.
Não há homem que se creia, em cada uma das suas qualidades, abaixo do homem que ele mais estime no mundo.
Não há quem apresse mais os outros do que os preguiçosos depois de haverem satisfeito a sua preguiça, a fim de parecerem diligentes.
Muita gente menospreza o bem, mas poucos sabem praticá-lo.
O Interesse é a Alma do Amor-Próprio
O interesse é a alma do amor-próprio, de modo que, tal como o corpo privado da sua alma não vê, não ouve, não conhece, não sente e não se move, o amor-próprio, se pode assim dizer-se, separado dos seus interesses, não vê, não escuta, não sente e não se move. Daí que um homem que corra a terra e os mares para seu benefício fique de repente paralisado para os interesses dos outros e daí, também, o adormecimento em que cai de repente, tal como esta espécie de morte que provocamos a todos aqueles a quem narramos a nossa vida. Daí vem também a rápida ressurreição quando na nossa narrativa pomos qualquer coisa que lhes diga respeito, de modo que vemos nas nossas conversas e nos nossos tratados que, no mesmo instante, um homem adormece e volta a si, consoante o interesse se aproxima ou se afasta dele.
Os espíritos mesquinhos ressentem-se frequentemente com coisas insignificantes; os espíritos elevados apercebem-se delas, mas não se ressentem minimamente.
Antes de desejarmos ardentemente uma coisa, devemos examinar primeiro qual a felicidade daquele que a possui.
Não é tanto a fecundidade do espírito que nos leva a encontrar expedientes diversos em relação a um mesmo assunto, quanto a falta de inteligência que nos faz deter perante tudo o que se apresenta à nossa imaginação e nos impede de discernir com clareza o que é melhor.