Passagens de Franz Kafka

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A Consolação no Trabalho Literário

A consolação estranha, misteriosa, talvez perigosa, talvez salvadora, que há no trabalho literário: é um salto para fora da fila dos assassinos, é um ver o que realmente se está a passar. Isto acontece através de um género mais elevado de observação, um género mais elevado, não mais penetrante, e quanto mais alto menos ao alcance da «fila», quanto mais independente se torna, tanto mais obediente às suas próprias leis de movimento, tanto mais incalculável, mais alegre, mais ascendente é o seu curso.

Os homens tornan-se maus e culpados porque falam e agem sem antever os resultados de suas palavras e atos.

A maneira boa, forte, com que o judaísmo separa as coisas. Há lá lugar para uma pessoa. A pessoa vê-se melhor, a pessoa julga-se melhor.

Influenciar o Estado de Espírito

Nunca é possível anotar e avaliar todas as circunstâncias que influenciam o estado de espírito do momento, que até estão activas dentro dele, e que finalmente estão activas na própria avaliação, por isso é falso dizer que ontem me senti decidido, que hoje estou desesperado. Estas diferenças apenas provam que a pessoa deseja influenciar-se a si própria, e tão longe de si própria quanto possível, escondida por detrás de preconceitos e fantasias, criar temporariamente uma vida artificial, tal como alguém, por vezes, a um canto da taberna, suficientemente escondido por detrás de um pequeno copo de uísque, inteiramente só consigo próprio, se entretém com imaginações e sonhos improváveis e falsos.

A criatura ineficaz, hesitante, frágil – um telegrama arrasa-o, uma carta leva-o logo a pôr-se de pé, reanima-o, o silêncio que se segue à carta lança-o para a apatia.

Um dos meios de sedução mais eficazes do mal é a exortação à luta. É como a luta com mulheres, que termina na cama.

Compreender a felicidade de que o solo sobre o qual tu te manténs não pode ser maior que os dois pés que o cobrem.

Só alusivamente é que a linguagem pode ser usada para tudo o que está fora do mundo dos sentidos, mas nunca comparativamente, nem mesmo de forma aproximada, uma vez que ela só trata, correspondendo ao mundo sensorial, da propriedade e das suas relações.

Apenas deveríamos ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo?

Sinto de vez em quando uma infelicidade que quase me deslumbra, e ao mesmo tempo estou convencido da sua necessidade e da existência de um alvo em direcção ao qual nos encaminhamos ao suportar toda a espécie de infelicidade.

Se estou condenado, não estou somente condenado à morte, mas também a defender-me até a morte.

O que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é riqueza. Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é algo completamente relativo e insatisfatório. No fundo, não passa de uma situação peculiar.

O amor sensual ilude-nos sobre o amor celeste; sozinho, não o poderia fazer; mas pode, uma vez que tem dentro de si, inconscientemente, o elemento do amor sensual.

Todos os erros humanos são fruto da impaciência. Interrupção prematura de um processo ordenado, obstáculo artificial levantado em redor de uma realidade artificial.

Se estou condenado, então estou não só condenado a morrer, mas também condenado a lutar até morrer.

Quando começo a escrever depois de um longo intervalo, puxo pelas palavras como se fosse do ar vazio. Se apanho uma, fico só com essa e tenho de recomeçar de novo todo o trabalho.

Procurei um conselho, não fui teimoso. Não foi teimosia quando ri silenciosamente com uma cara contorcida e faces brilhantes de febre para quem me tinha dado involuntariamente um conselho. Foi «suspense», uma prontidão da minha parte em ser instruído, uma falta doentia de teimosia.

Um Amigo é uma Pessoa Inútil

Uma pessoa inútil. Um amigo? Se tento recordar-me dos atributos que ele possui, o que resta, mesmo depois do veredicto mais favorável, é apenas a sua voz, um pouco mais profunda do que a minha. Se eu exclamar «salvo», era como se eu fosse Robinson Crusoé e exclamasse «salvo!», ele fazia eco com a sua voz mais profunda. Se eu fosse Korah e exclamasse «perdido!», ele estaria ali prontamente para com a sua voz mais profunda repetir em eco. Eventualmente acabamos por nos cansar de levar para todo o lado um violão. Ele próprio não faz isto alegremente, sorve do meu eco só porque não pode fazer outra coisa. Ocasionalmente, durante as férias, quando acabo por ter tempo para prestar atenção a isto, eu discuto com ele, talvez no jardim, para saber como me posso libertar dele.

Os jovens limpos, bem vestidos, perto de mim, no passeio, fazem-me lembrar a minha juventude e por isso causam-me uma impressão repugnante.