Passagens de Franz Kafka

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Muitas sombras dos que morreram ocupam-se apenas em lamber as ondas do rio dos mortos, porque ele corre a partir de nós e ainda tem o gosto salgado dos nossos mares. O rio então recua de nojo, flui em sentido contrário e atira os mortos de volta à vida. Estes, porém, estão felizes, cantam canções de graça e acariciam o fluxo indignado.

Queremos livros que nos afetem como um desastre. Um livro deve ser como um machado diante de um mar congelado em nós

Não existe nada a não ser um mundo espiritual; o que chamamos de mundo dos sentidos é o mal no mundo do espírito, e o que chamamos de mal, apenas a necessidade de um instante na nossa eterna evolução.

Ele devora os despojos que caem da própria mesa; sendo assim, na verdade, fica por algum tempo mais satisfeito que todos, mas esquece-se de comer à mesa; com isso, porém, deixam de cair no chão também os despojos.

A loucura em que tenho andado com raparigas apesar de todas as minhas dores de cabeça, insónias, cabelo grisalho, desespero. Vou contá-las: pelo menos seis desde o Verão. Não consigo resistir, se não cedo fico literalmente com a língua de fora, e admiro todas as que são admiráveis, e amo-as até acabar a admiração. Perante as seis a culpa que sinto é quase só interior, embora uma das seis se tivesse queixado de mim a uma pessoa.

Este dever inevitável de me observar a mim mesmo: se outra pessoa me estiver a observar, é natural que eu também tenha de me observar; se ninguém o faz, observo-me ainda mais de perto.

Cessa de Correr !

Se não cessas de correr, marulhando no ar tépido com as tuas mãos como natatórios, olhando furtivamente tudo diante de que passas no meio-sono apressado, acontecer-te-á também um dia deixar passar diante de ti o carro. Se te mantiveres firme, pelo contrário, com o poder do teu olhar fazendo crescer as raízes em profundidade e em comprimento – nada então te poderá eliminar – em virtude não das raízes mas da força do teu olhar que escruta – será então que verás o longínquo imutavelmente obscuro de onde nada pode surgir a não ser precisamente uma vez este carro que rola para ti, que se aproxima, cada vez maior e que, no próprio instante em que entras em tua casa, enche o mundo enquanto mergulhas nele como uma criança no banco acolchoado de uma diligência que corre através da tempestade e da noite.

O facto de que não existe nada senão um mundo do espírito tira-nos a esperança e dá-nos a certeza.

A Humildade é a Base da Sociedade

A humildade oferece a todos, mesmo ao que se desespera na solidão, a relação mais forte com o semelhante, e, na realidade, imediatamente, mas, com certeza, só no caso da humildade completa e duradoura. Ela é capaz disso por ser ao mesmo tempo a verdadeira linguagem da oração e a mais sólida das ligações. A relação com o semelhante é a relação da prece; a relação consigo mesmo, a relação do esforço para alcançar algo; a energia para esse esforço é extraída da oração.

Podes conhecer outra coisa que não seja a fraude? Fosse ela um dia obstruída, tu de modo nenhum poderias olhar para lá a não ser que quisesses tranformar-te numa estátua de sal.

Os esconderijos são inumeráveis, a salvação apenas uma, mas as possibilidades de salvação, por sua vez, são tantas quanto os esconderijos. Existe um objectivo, mas nenhum caminho; o que chamamos de caminho é hesitação.

O Instante Decisivo da Evolução Humana

O instante decisivo da evolução humana dura sempre. Eis porque os movimentos espirituais e revolucionários declaram nulo tudo o que os precede produzido outrora, fazem-no com razão porque ainda nada foi.

Tudo é fantasia, a família, o escritório, os amigos, a rua, tudo fantasia, mais longe ou mais perto, a mulher; mas a verdade que está mais perto é só esta, é bater com a cabeça na parede de uma cela sem janelas e sem portas.

As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio.

Não descubro em mim nada a não ser mesquinhez, indecisão, inveja e ódio contra os que estão a lutar e a quem eu apaixonadamente desejo todo o mal.

Apenas se deveriam ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para quê lê-lo?

De alguma forma eu lutava contra sensações que continham pura abstração e nenhum gesto dirigido ao mundo atual.

Quem, dentro do mundo, ama o próximo, não está mais nem menos certo do que quem, dentro do mundo, se ama a si mesmo. Resta só a pergunta sobre se o primeiro deles é possível.

É possível que a razão e o desejo descubram primeiro aos meus olhos o perfil nú do futuro, e que eu de facto me mova passo a passo para este mesmo futuro apenas debaixo dos seus empurrões e dos seus golpes inexoráveis?