A Sabedoria do Corpo
Tu dizes «eu» e orgulhas-te desta palavra. Mas há qualquer coisa de maior, em que te recusas a aceditar, é o teu corpo e a sua grande razão; ele não diz Eu, mas procede como Eu.
Aquilo que a inteligência pressente, aquilo que o espírito reconhece nunca em si tem o seu fim. Mas a inteligência e o espírito quereriam convencer-te que são o fim de todas as coisas; tal é a sua soberba.
Inteligência e espírito não passam de instrumentos e de brinquedos; o Em si está situado para além deles. O Em si informa-se também pelos olhos dos sentidos, ouve também pelos ouvidos do espírito.
O Em si está sempre à escuta, alerta; compara, submete; conquista, destrói. Reina, e é também soberano do Eu.
Por detrás dos teus pensamentos e dos teus sentimentos, meu irmão, há um senhor poderoso, um sábio desconhecido: chama-se o Em si. Habita no teu corpo, é o teu corpo.
Há mais razão no teu corpo do que na própria essência da tua sabedoria.
Passagens de Friedrich Nietzsche
871 resultadosQuando se vive só, não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. A solidão modifica as vozes.
Vede, pois, esse supérfluos! Roubam as obras dos inventores e os tesouros dos sábios. Cultura, eis o nome que dão a essa rapina e para eles tudo se transforma em doença e incômodo.
Crueldade necessária: quando se possui a grandeza é-se cruel para com as suas virtudes e as suas considerações de segunda ordem.
Entretanto, a desproporção entre a grandeza da minha alma e a PEQUENEZ dos meus contemporâneos se evidenciou no fato de que não fui ouvido, nem sequer compreendido.
Não se sonha, ou, se se sonha, é de uma maneira interessante. É necessário aprender a estar acordado da mesma maneira: ou de maneira nenhuma ou de uma maneira interessante.
O que possa ser pago não tem valor nenhum. Eis o credo que eu estampo na cara dos espíritos mercantis.
Se temos que mudar de opinião a respeito de alguém levamos-lhe muito a mal o incómodo que assim nos causa.
Quem se despreza a si próprio não deixa mesmo assim de se respeitar como desprezador.
Quanto mais abstracta for a verdade que queres ensinar, mais tens que seduzir os sentimentos a seu favor.
O que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal
O conhecimento é uma centelha entre duas espadas
Ó Minha Felicidade
Revejo os pombos de São Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima às suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifício multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;
O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.
Por que você se assusta? O que acontece para a árvore, acontece também para o homem. Quanto mais deseja elevar-se para as alturas e para a luz, mais vigorosamente enterra suas raízes para baixo, para o horrendo e profundo: para o mal.
Nunca odiamos aos que desprezamos. Odiamos aos que nos parecem iguais ou superiores a nós.
Há homens que já nascem póstumos ( acho que sou um deles ! )
Eis o problema do homem dominador: sacrificar ao seu ideal aqueles a quem ama.
Não Seremos Capazes de Modificar um Único Homem
Deixemos pois de pensar mais em punir, em censurar e em querer melhorar! Não seremos capazes de modificar um único homem; e se alguma vez o conseguíssemos seria talvez, para nosso espanto, para nos darmos também conta de outra coisa: é que teríamos sido nós próprios modificados por ele! Procuremos antes, por isso, que a nossa influência se contraponha e ultrapasse a sua em tudo o que está para vir! Não lutemos em combate directo… qualquer punição, qualquer censura, qualquer tentativa de melhoria representa combate directo. Elevemo-nos, pelo contrário, a nós próprios muito mais alto. Façamos sempre brilhar de forma grandiosa o nosso exemplo. Obscureçamos o nosso vizinho com o fulgor da nossa luz. Recusemo-nos a nos tornar, a nós próprios, mais sombrios por amor dele, como todos os castigadores e todos os descontentes! Escutemo-nos, antes, a nós. Olhemos para outro lado.
Foi precisamente nos anos da minha mais débil vitalidade que eu cessei de ser pessimista; a necessidade instintiva de restabelecer-me afastou-me da filosofia da miséria e do desânimo.