O Amor por Matilde e os Versos do Capitão
E vou contar-lhes agora a história deste livro, um dos mais controvertidos daqueles que escrevi. Foi durante muito tempo um segredo, durante muito tempo não ostentou o meu nome na capa, como se o renegasse ou o próprio livro não soubesse quem era o pai. Tal como os filhos naturais, filhos do amor natural, «Los versos del capitán» eram, também, um «libro natural».
Os poemas que contém foram escritos aqui e ali, ao longo do meu desterro na Europa. Foram publicados anonimamente em Nápoles, em 1952. O amor por Matilde, a nostalgia do Chile, as paixões cívicas, recheiam as páginas desse livro, que teve muitas edições sem trazer o nome do autor.
Para a 1ª edição, o pintor Paolo Ricci conseguiu um papel admirável e antigos tipos de imprensa «bodonianos», bem como gravuras extraídas dos vasos de Pompeia. Com fraternal fervor, Paolo elaborou também a lista dos assinantes. Em breve apareceu o belo volume, com tiragem limitada a cinquenta exemplares. Festejámos largamente o acontecimento, com mesa florida, «frutti di mare», vinho transparente como água, filho único das vinhas de Capri. E com a alegria dos amigos que amaram o nosso amor.
Alguns críticos suspicazes atribuíram a motivos políticos a publicação anónima do livro.
Passagens sobre Mel
92 resultadosUma abelha que não fizesse nem mel nem cera, uma andorinha que não construísse o ninho, uma galinha que nunca pusesse, romperiam a sua lei natural, que é o instinto. Os homens insociáveis corrompem o instinto da natureza humana.
Sê bom Mas ao coração Prudência e cautela ajuntam. Quem todo de mel se unta, Os ursos o lamberão.
Destino
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Florece!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem…
Ai!, não mo disse ninguém.Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino .
Vim cumprir o meu destino…
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
Purifique teu coração para permitir que o amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda no recipiente sujo.
Portugal
Maior do que nós, simples mortais, este gigante
foi da glória dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrão dilatou, inóspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinóis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados píncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhês e heróico à beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreão de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,
Rosa sem Espinhos
Para todos tens carinhos,
A ninguém mostras rigor!
Que rosa és tu sem espinhos?
Ai, que não te entendo, flor!Se a borboleta vaidosa
A desdém te vai beijar,
O mais que lhe fazes, rosa,
É sorrir e é corar.E quando a sonsa da abelha,
Tão modesta em seu zumbir,
Te diz: «Ó rosa vermelha,
» Bem me podes acudir:» Deixa do cálix divino
» Uma gota só libar…
» Deixa, é néctar peregrino,
» Mel que eu não sei fabricar …»Tu de lástima rendida,
De maldita compaixão,
Tu à súplica atrevida
Sabes tu dizer que não?Tanta lástima e carinhos,
Tanto dó, nenhum rigor!
És rosa e não tens espinhos!
Ai !, que não te entendo, flor.
De que o mel é doce é coisa que eu me nego a afirmar, mas que parece doce eu afirmo plenamente
Para As Raparigas de Coimbra
1
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.2
Minha capa vos acoite
Que é p’ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar…3
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!4
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca…
Só pondo uma flor no anzol!5
A lua é a hostia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d’uma certa farinha
Que não apanha bolor!6
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua agoa?
Qu’é dos prantos que eu chorei?7
A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.8
–
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
Andei observando e constatei – nem tudo é mel na vida das abelhas.
Febre Vermelha
Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar…Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis…Papoilas! Descerrae essas boccas vermelhas!
Apagae-me esta sede estonteadora e cruel:
Ó favos rubros! os meus labios são abelhas,
E eu ando a construir meu cortiço de mel…Rainunculos! Corae minhas faces-de-terra!
Que seja sangue o leite e rubins as opalas!
Tal se vêm pelo campo, em seguida a uma guerra,
Tintos da mesma cor os corações e as balas!…Chagas de Christo! Abri as petalas chagadas!
N’uma raiva de cor, n’uma erupção de luz!
Escancarae a bocca, ás vermelhas rizadas,
Cancros de Lazaro!
Come cebola durante um ano, se queres saborear mel o resto da vida.
Não parece que toda a filosofia foi escrita com mel? É espantosa quando a contemplamos, mas, quando voltamos a contemplá-la, já desapareceu tudo. Resta apenas o papel pegajoso.
Recordam-se Vocês do Bom Tempo d’Outrora
(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)
Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;
Classicismo
Longínquo descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
– amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista!Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas são serenos!Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel…Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!
Machão não come mel – come abelha.
As palavras amáveis são favo de mel: doce na garganta e força para os ossos
As palavras amáveis são favo de mel: doce na garganta e força para os ossos.
Os Amantes
Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
Rosto de mel, coração de fel.