Poemas sobre Aldeia

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Poemas de aldeia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Eu Sou do Tamanho do que Vejo

Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Pelo Tejo Vai-se para o Mundo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

As Aldeias

Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas –
Mais frescas que as manhãs finas d’Abril.

Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.

Pelas tardes das eiras – como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!

As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D’a agreste solidão das suas ruas!

Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d’um moinho.

Pelas noutes d’estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos…

Ignição

Meus versos, desejo-vos na rua,
nas padiolas, pelo chão, encardidos
como quem ganha com eles a vida,
e o papel vá escurecendo ao sol,
a chuva o manche, a capa
ganhe dedadas, a companhia
aderente de um insecto,
as palavras se humildem mais
e chegue a sua vez de comoverem alguém
que compre, um faminto ajudando.

Meus versos, desejo-vos nas bibliotecas
itinerantes, gostaríeis de viajar
por aldeias, praias, escolas primárias,
despertar o rápido olhar das crianças,
estar nas suas mãos
completamente indefeso
e, sobretudo, que não vos compreendam.
Oxalá escrevam, risquem, atirem no recreio
umas às outras como pélas os livros
e sonhem, se possível, com algum verso
que súbito se esgueire pela sua alma.

Carta a Manoel

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem…
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos ursos na aula, peor que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Peor que um diamante a riscar na vidraça!
Peor eu sei lá, Manoel, peor que uma desgraça!
Hysterisa-me o vento, absorve-me a alma toda,
Tal a menina pelas vesperas da boda,
Atarefada mail-a ama, a arrumar…
O vento afoga o meu espirito n’um mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de luar, recordações.
Á noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O grande evocador do vento evoca, evoca
Nosso verão magnifico, este anno passado,
(E a um canto bate,

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Portugal

Maior do que nós, simples mortais, este gigante
foi da glória dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrão dilatou, inóspito montado,
numa pátria… E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinóis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados píncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhês e heróico à beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreão de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,

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História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

A Lua de Londres

É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d’amor às belas,
Não fala aos homens d’amor.

Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d’além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?

Oh! que foi!… deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,

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Tu És em Mim Profunda Primavera

O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou só agora, só agora
brotam das tuas raízes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?

Não sei, não mo digas, tu não sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.

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Anoitece na Aldeia

Anoitece na aldeia
e numa animação de fábula
as pessoas recolhem às casas.

Das chaminés, pelos telhados
o fumo já faz parte da noite.

O amarelo das janelas
pontilha o preto.

O vento perdeu-se no bosque
e as crianças, nos cobertores
usufruem do medo.

Pelas imediações da aldeia
os lobos aproximam-se da realidade.

Setentrional

Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,

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Vi Jesus Cristo Descer à Terra

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,

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Purinha

O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…

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A Cidade do Sonho

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te
O caminho que leva à Cidade do Sonho…
De tão alta que está, vê-se de toda a parte,
Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

Vai por entre rosais, sinuoso e macio,
Como o caminho chão duma aldeia ao luar,
Todo branco a luzir numa noite de Estio,
Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,
Deves empreender essa jornada louca;
O Sonho é para nós a Terra Prometida:
Em beijos o maná chove na nossa boca…

Vistos dessa eminência, o mundo e as suas
[sombras,
Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;
O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,
Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol.

Nela mora encantada a Ventura perfeita
Que no mundo jamais nos é dado sentir…
E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,
A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

Que importa o despertar? Esse instante divino
Como recordação indelével persiste;
E neste amargo exílio,

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Lua Nova

Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.

E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.

***

E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”

***

E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,

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Certa Velhinha

1

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes…
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!

Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n’uma noite d’estas,
Com vento da Barra puxado do sul?

Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n’uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!

Contava-me aquella que a tumba já cerra,
Que Nossa Senhora, quando a chama alguem,
Escolhe estas noites p’ra descer á Terra,
Porque em noites d’estas não anda ninguem…

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos aquelles que parecem luzes!
Quaes velas accezas que a vêm a guiar…

Que pobre capinha que leva de rastros,
Tão velha, tão rôta! Que triste viuvez!
Mas se lhe dá vento, meu Deus! tantos astros!
É o céu estrellado vestido do envez…

Seu alvo cabello, molhado das chuvas,
Parece uma vinha de luar em flor…

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Cantiga do Rosto Branco

Rico era o rosto branco; armas trazia,
E o licor que devora e as finas telas;
Na gentil Tibeima os olhos pousa,
E amou a flor das belas.

“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;
“Quando, junto de ti, teus olhos miro,
A vista se me turva, as forças perco,
E quase, e quase expiro.”

E responde a morena requebrando
Um olhar doce, de cobiça cheio:
“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;
Aperta-me em teu seio!”

Uma cabana levantaram ambos,
O rosto branco e a amada flor das belas…
Mas as riquezas foram-se co’o tempo,
E as ilusões com elas.

Quando ele empobreceu, a amada moça
Noutros lábios pousou seus lábios frios,
E foi ouvir de coração estranho
Alheios desvarios.

Desta infidelidade o rosto branco
Triste nova colheu; mas ele amava,
Inda infiéis, aqueles lábios doces,
E tudo perdoava.

Perdoava-lhe tudo, e inda corria
A mendigar o grão de porta em porta,
Com que a moça nutrisse, em cujo peito
Jazia a afeição morta.

E para si,

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Males de Anto

A Ares n’uma aldeia

Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes não ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pés n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mãos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.

Mas, atravez da minha dor,

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Desporto e Pedagogia

I

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.

II

P’ra escolas não há bairrismo,
Não há amor nem dinheiro.
Por quê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!

III

Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.

IV

Da educação desportiva,
Que nos prepara p’ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

V

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

VI

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheiteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

VII

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,

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Os Pastores

Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.

Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.

Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.

Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:

«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!

Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!

Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»

Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.

Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,

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