Poemas sobre Certeza

64 resultados
Poemas de certeza escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sempre que Lisboa canta

Lisboa cidade amiga
que és meu berço de embalar
ensina-me uma cantiga
das que tu sabes cantar

Uma cantiga singela
Daquelas de enfeitiçar
P’ra eu cantar à janela
Quando o meu amor passar

Sempre que Lisboa canta
Não sei se canta
Não sei se reza
A sua voz com carinho
Canta baixinho
Sua tristeza

Sempre que Lisboa canta
à gente encanta
Sua beleza
Pois quando Lisboa canta
Canta o fado
com certeza

Eu quero dar-te um castigo
Por tanto te ter amado
Quero que cantes comigo
Os versos do mesmo fado

Quero que Lisboa guarde
Tantos fados que cantei
Para cantar-me mais tarde
Os fados que lhe ensinei

Pecado Original

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!

Aparência

Cismo, numa tarde, entre esta tarde e a mor-
te, a verdade que nasce na minha carne:

Vivemos de beleza, de silêncio e beleza.
Trilhamos uma estrada incerta e traiçoeira,
A estrada perfumada por um crime.

Que para nós toda certeza surge, frágil e efé-
mera, como o desenho de um dedo nos vi-
dros embaçados de uma janela durante o
mês inverno.

Posfácio à Toca do Lobo

– Pai, vem da morte e vamos às perdizes.
Vejo a aurora, que tinge do seu rajo
de dente a dente a Serra de Soajo…
– Ciprestes, desatai-o das raízes!

– Este Inverno as perdizes estão em barda:
criaram-se as ninhadas sem granizo.
Vamos chumbar dos perdigões o guizo,
anda matar securas da espingarda.

A tua Holland… O animal de presa…
O azul brunido… Velha e como nova…
Bem a merecias a alegrar-te a cova.
Penou-te de saudades, com certeza.

Aqui a tens. Porque era ver-te, olhá-la,
sequer um dia que não fosse vê-la.
Olha deluz-se a derradeira estrela,
já folga a luz no lustra aqui da sala.

Trinta anos depois, caçar contigo,
e sempre conversando e à chalaça…
Mais que perdizes, hoje, melhor caça
É matar fomes do caçar antigo.

Ver-te sorrir à escapatória sonsa
da velha que não viu «perdiz nem chasco!»
E o Lorde a anunciá-la sob o fasco,
e tu lambendo o cigarrinho de onça…

Ó pai, se não vivias há trinta anos,
também há trinta eu não vivia,

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Tenho a Certeza de que Entre Nós Tudo Acabou

Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
Deixal-o!
Bemdita seja a tristesa!
– Não ha bem que sempre dure
E o meu bem pouco durou.

Não levantes os teus braços,
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
– Vou deixar-te… vou partir.

E se um dia te lembrares,
Dos meus olhos côr de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade,
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
N’aquella tarde cinzenta…

Adeus!

Quem fica soffre bem sei;
Mas soffre mais quem se ausenta!…

Queria que os Portugueses

Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal

todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler

teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura

e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale

até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião

que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira

alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto

se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia

deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.

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Acima da Verdade Estão os Deuses

Acima da verdade estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como às flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza.

D. SEBASTIÃO

Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Namoro II

Ai se eu disser que as tremuras
Me dão nas pernas, e as loucuras
Fazem esquecer-me dos prantos
Pensar em juras

Ai se eu disser que foi feitiço
Que fez na saia dar ventania
Mostrar-me coisas tão belas
Ter fantasia
E sonhar com aquele encontro
Sonhar que não diz que não

Tem um jeito de senhora
E um olhar desmascarado
De céu negro ou céu estrelado, ou Sol
Daquele que a gente sabe.
O seu balanço gingado
Tem os mistérios do mar
E a certeza do caminho certo
que tem a estrela polar.

Não sei se faça convite
E se quebre a tradição
Ou se lhe mande uma carta
Como ouvi numa canção
Só sei que o calor aperta
E ainda não estamos no verão.

Quanto mais o tempo passa
Mais me afasto da razão
E ela insiste no passeio à tarde
Em tom de provocação
Até que num dia feriado
P’ra curtir a solidão
Fui consumir as tristezas
P’ró baile do Sr. João

Não sei se foi por magia
Ou seria maldição
Dei por mim rodopiando
Bem no meio do salão
Acabei no tal convite
Em jeito de confissão
E a resposta foi tão doce
Que a beijei com emoção
Só que a malta não gritou
Como ouvi numa canção

A Coragem no Gesto de Viver

O solitário gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.

Eternidade

A minha eternidade neste mundo
Sejam vinte anos só, depois da morte!
O vento, eles passados, que, enfim, corte
A flor que no jardim plantei tão fundo.

As minhas cartas leia-as quem quiser!
Torne-se público o meu pensamento!
E a terra a que chamei — minha mulher —
A outros dê seu lábio sumarento!

A outros abra as fontes do prazer
E teça o leito em pétalas e lume!
A outros dê seus frutos a comer
E em cada noite a outros dê perfume!

O globo tem dois pólos: Ontem e hoje.
Dizemos só: — Meu pai! ou só:— Meu filho!
O resto é baile que não deixa trilho.
Rosto sem carne; fixidez que foge.

Venham beijar-me a campa os que me beijam
Agora, frágeis, frívolos e humanos!
Os que me virem, morto, ainda me vejam
Depois da morte, vivo, ainda vinte anos!

Nuvem subindo, anis que se evapora…
Assim um dia passe a minha vida!
Mas, antes, que uma lágrima sentida
Traga a certeza de que alguém me chora!

Adro!

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Não Dês Esmola a Santinhos

MOTE

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.

GLOSAS

Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos…
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas…
Se elas são p’ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.

Missas não mandes dizer,
Nem lhes faças mais promessas
E nem mandes armar essas
Se um dia alguém te morrer.
Não dês nada que fazer
Ao padre e ao sacristão,
A ver para onde eles vão…
Trabalhar, não, com certeza.
Dá sempre esmola à pobreza
Se queres ser bom cidadão.

Tu não vês que aquela gente
Chega até a fingir que chora,
Afirmando o que ignora,
Assim descaradamente!?…
Arranjam voz comovente
Para jludir os parvinhos
E fazem-se muito mansinhos,
Que é o seu modo de mamar;
Portanto, o que lhe hás-de dar,
Dá antes aos pobrezinhos.

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Não Tenho para Ti Quotidiano

Não tenho para ti quotidiano
mais que a polpa seca ou vento grosso,
ter existido e existir ainda,
querer a mais a mola que tu sejas,
saber que te conheço e vai chegar
a mão rasa de lona para amar.

Não tenho braço livre mais que olhar
para ele, e o que faz que tu não queiras.
Tenho um tremido leito em vala aberta,
olhos maduros, cartas e certezas.

Neste comboio longo, surdo e quente,
vou lá ao fundo, marco o Ocupado.
Penso em ti, meu amor, em qualquer lado.
Batem-me à porta e digo que está gente.

É Isto o Amor

Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim,

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Pedido

Ama-me sempre, como à flor do lírio
Bravo e sózinho, a quem a gente quer
Mesmo já seco na recordação.
Ama-me sempre, cheia da certeza
De que, lírio que sou da natureza,
Na minha altura eu brotarei do chão.

O Poeta é um Guardador

o poeta é um guardador

guarda a diferença
guarda da indiferença

no incerto
guarda a certeza da voz

Menino

No colo da mãe
a criança vai e vem
vem e vai
balança.
Nos olhos do pai
nos olhos da mãe
vem e vai
vai e vem
a esperança.

Ao sonhado
futuro
sorri a mãe
sorri o pai.
Maravilhado
o rosto puro
da criança
vai e vem
vem e vai
balança.

De seio a seio
a criança
em seu vogar
ao meio
do colo-berço
balança.

Balança
como o rimar
de um verso
de esperança.

Depois quando
com o tempo
a criança
vem crescendo
vai a esperança
minguando.
E ao acabar-se de vez
fica a exacta medida
da vida
de um português.

Criança
portuguesa
da esperança
na vida
faz certeza
conseguida.
Só nossa vontade
alcança
da esperança
humana realidade.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

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Carta de Amor

Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?

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Onde a Sombra de Ti

Onde a sombra de ti, o meu perfil
É linha de certeza. Aí são convergentes
As vagas circulares, no seu limite
O ponto rigoroso se propaga.
Aí se reproduz a voz inicial,
A palavra solar, o laço da raiz.
Nasce de nós o tempo, e, criadores,
Pela força do perfil coincidente,
Amanhecemos deuses de mãos dadas.