Poemas sobre CĂ©u de Machado de Assis

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Noivado

VĂȘs, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e Ă  terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
JĂĄ tĂ­mida aparece.

Como um bafo suavĂ­ssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As ĂĄrvores agita e imprime Ă s folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cĂĄlix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, Ăł filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, pågina santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidĂŁo rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
EncontrarĂĄs aqui o amor tranqĂŒilo…
Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
LĂĄ do horizonte oposto
A lua, como lĂąmpada, jĂĄ surge
A alumiar teu rosto;
Os cĂ­rios vĂŁo arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

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Os Arlequins – SĂĄtira

Musa, depÔe a lira!
Cantos de amor, cantos de glĂłria esquece!
Novo assunto aparece
Que o gĂȘnio move e a indignação inspira.
Esta esfera Ă© mais vasta,
E vence a letra nova a letra antiga!
Musa, toma a vergasta,
E os arlequins fustiga!

Como aos olhos de Roma,
— CadĂĄver do que foi, pĂĄvido impĂ©rio
De Caio e de TibĂ©rio, —
O filho de Agripina ousado assoma;
E a lira sobraçando,
Ante o povo idiota e amedrontado,
Pedia, ameaçando,
O aplauso acostumado;

E o povo que beijava
Outrora ao deus CalĂ­gula o vestido,
De novo submetido
Ao régio saltimbanco o aplauso dava.
E tu, tu nĂŁo te abrias,
Ó cĂ©u de Roma, Ă  cena degradante!
E tu, tu nĂŁo caĂ­as,
Ó raio chamejante!

Tal na histĂłria que passa
Neste de luzes século famoso,
O engenho portentoso
Sabe iludir a néscia populaça;
NĂŁo busca o mal tecido
Canto de outrora; a moderna insolĂȘncia
NĂŁo encanta o ouvido,
Fascina a consciĂȘncia!

Vede; o aspecto vistoso,
O olhar seguro,

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Musa dos Olhos Verdes

Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança,
Consolo do anciĂŁo no extremo alento,
E sonho da criança;

Tu que junto do berço o infante cinges
C’os fĂșlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;

Tu que fazes pulsar o seio Ă s virgens;
Tu que Ă s mĂŁes carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;

Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
SĂȘ minha amante, os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!

JĂĄ cansada de encher lĂąnguidas flores
Com as lĂĄgrimas frias,
A noite vĂȘ surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.

Asas batendo Ă  luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silĂȘncios graves.

Dentro de mim, a noite escura e fria
MelancĂłlica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sĂȘ tu a aurora!

A Elvira

(Lamartine)

Quando, contigo a sĂłs, as mĂŁos unidas,
Tu, pensativa e muda; e eu, namorado,
Às volĂșpias do amor a alma entregando,
Deixo correr as horas fugidias;
Ou quando ‘as solidĂ”es de umbrosa selva
Comigo te arrebato; ou quando escuto
—Tão só eu, — teus terníssimos suspiros;
E de meus lĂĄbios solto
Eternas juras de constĂąncia eterna;
Ou quando, enfim, tua adorada fronte
Nos meus joelhos trĂȘmulos descansa,
E eu suspendo meus olhos em teus olhos,
Como Ă s folhas da rosa ĂĄvida abelha;
Ai, quanta vez entĂŁo dentro em meu peito
Vago terror penetra, como um raio!
Empalideço, tremo;
E no seio da glĂłria em que me exalto,
LĂĄgrimas verto que a minha alma assombram!
Tu, carinhosa e trĂȘmula,
Nos teus braços me cinges, — e assustada,
Interrogando em vĂŁo, comigo choras!
“Que dor secreta o coração te oprime?”
Dizes tu, “Vem, confia os teus pesares…
Fala! eu abrandarei as penas tuas!
Fala! Eu consolarei tua alma aflita.”

Vida do meu viver, nĂŁo me interrogues!
Quando enlaçado nos teus níveos braços*
A confissão de amor te ouço,

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Flor da Mocidade

Eu conheço a mais bela flor;
És tu, rosa da mocidade,
Nascida, aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor.
Tem do céu a serena cor,
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor,
És tu, rosa da mocidade.

Vive Ă s vezes na solidĂŁo,
Coma * filha da brisa agreste.
Teme acaso indiscreta mĂŁo;
Vive Ă s vezes na solidĂŁo.
Poupa a raiva do furacĂŁo
Suas folhas de azul celeste.
Vive Ă s vezes na solidĂŁo,
Como filha da brisa agreste.

Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno;
Que a flor morta jĂĄ nada val.
Colhe-se antes que venha o mal.
Quando a terra Ă© mais jovial
Todo o bem nos parece eterno.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno.

Stella

JĂĄ raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o Ășltimo pranto
Por todo o vasto espaço.

TĂ­bio clarĂŁo jĂĄ cora
A tela do horizonte,
E jĂĄ de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.

À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lå vem tomar o espaço
A virgem da manhĂŁ.

Uma por uma, vĂŁo
As pĂĄlidas estrelas,
E vĂŁo, e vĂŁo com elas
Teus sonhos, coração.

Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
NĂŁo vĂȘs que a vaga inquieta
Abre-te o Ășmido seio?

Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
VirĂĄ do roxo oriente.

Dos Ă­ntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lĂĄgrimas a pares,

Do amor silencioso,
MĂ­stico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,

De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma estĂĄ deserta.

A virgem da manhĂŁ
JĂĄ todo o cĂ©u domina…

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Horas Vivas

Noite: abrem-se as flores…
Que esplendores!
CĂ­ntia sonha amores
Pelo céu.
TĂȘnues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas,
Como um véu.

MĂŁos em mĂŁos travadas,
Animadas,
VĂŁo aquelas fadas
Pelo ar;
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar.

— “Homem, nos teus dias
Que agonias,
Sonhos, utopias,
AmbiçÔes;
Vivas e fagueiras,
As primeiras,
Como as derradeiras
IlusÔes!

— Quantas, quantas vidas
VĂŁo perdidas,
Pombas mal feridas
Pelo mal!

Anos apĂłs anos,
TĂŁo insanos,
VĂȘm os desenganos
Afinal.

— “Dorme: se os pesares
Repousares,
VĂȘs? – por estes ares
Vamos rir;
Mortas, nĂŁo; festivas,
E lascivas,
Somos – horas vivas
De dormir!” –

A Caridade

Ela tinha no rosto uma expressĂŁo tĂŁo calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde nĂŁo se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus* *,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.

Levava pela mão duas gentis crianças.

Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feiçÔes. Procurou. Na calçada
À chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infĂąncia lacrimosa, a infĂąncia desvalida,
Pedia leito e pĂŁo, amparo, amor, guarida.

E tu, Ăł Caridade, Ăł virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pĂŁo, guarida e amor.

Última Folha

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A Ășltima harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as viraçÔes perdidas,
Deixa cair ao chĂŁo as alvas rosas
E as alvas margaridas.

VĂȘs? NĂŁo Ă© noite, nĂŁo, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
NĂŁo quebra os raios pĂĄlidos e frios
O sol resplandecente.

VĂȘs? LĂĄ ao fundo o vale ĂĄrido e seco
Abre-se, como um leito mortuĂĄrio;
Espera-te o silĂȘncio da planĂ­cie,
Como um frio sudĂĄrio.

Desce. VirĂĄ um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.

EntĂŁo coroarĂĄs a ingĂȘnua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantĂĄstica dos ermos,
IrĂĄs, musa celeste!

EntĂŁo, nas horas solenes
Em que o mĂ­stico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, jĂĄ finda a tormenta
Que a natureza enlutou,

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Os Semeadores

VĂłs os que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ĂĄsperos e amargos
Tempos do semeador?

Rude era o chĂŁo; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses herĂłis
Souberam resistir na afanosa porfia
Aos temporais e aos sĂłis.

Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,
E a fé, e as oraçÔes
Fizeram transformar a terra pobre em rica
E os centos em milhÔes.

Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,
O frio, a descalcĂȘs,
O morrer cada dia uma morte sem nome,
O morrĂȘ-la, talvez,

Entre bĂĄrbaras mĂŁos, como se fora crime,
Como se fora réu
Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De as levantar ao céu!

Ó Paulos do sertão! Que dia e que batalha!
Venceste-a; e podeis
Entre as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis, vivereis!

Quando Ela Fala

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mĂĄgoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudeste* eu eternamente,
Ao lado dela, escutĂĄ-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, jĂĄ semimorta,
Conseguira ao céu alçå-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.

Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que nĂŁo hĂĄ de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hĂŁo de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusĂŁo voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infĂąncia
Sob as asas maternais,
O vĂŽo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espĂ­rito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do cĂ©u, — tais sĂŁo
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espĂ­rito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente Ă© passado,
Nunca o futuro Ă© presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordaçÔes,

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Lua Nova

Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro Ă© dela esta lĂąnguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
NĂŁo se mira nas ĂĄguas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.

E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o cĂ©u:
Iam vĂȘ-la, Jaci, mĂŁe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pĂŽde vencĂȘ-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.

***

E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço jå frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”

***

E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscĂĄ-los na mata sombria,

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A Jovem Cativa

(André Chenier)

— “Respeita a foice a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pĂąmpano
Bebe no estio as lĂĄgrimas da aurora;
Jovem e bela também sou; turvada
A hora presente de infortĂșnio e tĂ©dio
Seja embora: morrer nĂŁo quero ainda!

De olhos secos o estĂłico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a tímida cabeça.
Se hå dias maus, também os hå felizes!
Que mel nĂŁo deixa um travo de desgosto?
Que mar nĂŁo incha a um temporal desfeito?

Tu, fecunda ilusĂŁo, vives comigo.
Pesa em vĂŁo sobre mim cĂĄrcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:
Escapa da prisĂŁo do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa,
Mais viva canta e rompe a filomela.

Deve acaso morrer ? TranqĂŒila durmo,
TranqĂŒila velo; e a fera do remorso
NĂŁo me perturba na vigĂ­lia ou sono;
Terno afago me ri nos olhos todos
Quando apareço, e as frontes abatidas
Quase reanima um desusado jĂșbilo.

Desta bela jornada Ă© longe o termo.

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LĂșcia

(Alfred de Musset)

NĂłs estĂĄvamos sĂłs; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂȘnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂșrio; parecia a nota
De aura longĂ­nqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂșpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂ­amos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bĂĄlsamos;
A vĂĄrzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sĂłs estĂĄvamos
E tĂ­nhamos quinze anos!

LĂșcia era loura e pĂĄlida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!

Nem um som despertava em nossos lĂĄbios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂ­bia sombra dormia-lhe na fronte,

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