Poemas sobre Grito

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Poemas de grito escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Como Realiza o Corpo este ExercĂ­cio da Queda

Como realiza o corpo este exercĂ­cio
da queda no sĂşbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estĂŁo vencidos,
cerrados pela transparĂŞncia e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, mĂ­seras as mĂŁos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. SĂł a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a nĂŁo ser o profundo
bando do grito terrĂ­vel de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os mĂşsculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao nĂşcleo da luz deslumbrante?
Ă“ mar de que futuro, rumor volĂşvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixĂŁo!

NĂŁo Posso Adiar o Amor

Não posso adiar o amor para outro século
nĂŁo posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o Ăłdio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que Ă© uma arma de dois gumes
amor e Ăłdio

NĂŁo posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

IrmĂŁo

Eu não fiz uma revolução.
Mas me fiz irmão de todas as revoluções.
Eu fiquei irmĂŁo de muitas coisas no mundo.
IrmĂŁo de uma certa camisa.
Uma certa camisa que era de um gesto de céu
e com certo carinho me vestia, como se me
vestisse de árvore e de nuvens.
Eu fiquei irmĂŁo de uma vaca, como se ela
também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata
com o brio com que ele também me abraçava.
Fiquei irmĂŁo de um riacho, que Ă© nome
de rio pequeno, um pequeno que cabe
todo dentro de mim, me falando,
me beijando, me lambendo, me lembrando.
Brincava e me envolvia, certos dias eu
girava em torno do redemoinho do cachorro
e do riacho e da vaca, sem Ă s vezes saber
se estava beijando o riacho, o cachorro
ou a vaca, com um grande céu
me entornando, com um grande céu
com a vaca no lombo e com o cĂŁo,
com o riacho rindo de nĂłs todos.
Eu fiquei irmĂŁo de livros, de gentes.
Eu fiquei irmĂŁo de uma certa montanha.

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A SolidĂŁo Ă© Sempre Fundamento da Liberdade

A solidĂŁo Ă© sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
HĂşmus, e alma, Ă© a solidĂŁo. E vento,
quando da imĂłvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisĂŁo pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.

Aquella Orgia

NĂłs eramos uns dez ou onze convidados,
– Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.

Tocava o termo a ceia – e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.

Todos riam sem causa. – A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
– E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.

Crusavam-se no ar ditos como facadas;
Escandalos de amor, historias sensuaes…
– Rolavam nos divans caindo, ás gargalhadas,
Sujos como truões, torpes como animaes.

Um agitando o ar com risos desmanchados,
Recitava canções, farças, Hamlet e Ophelia;
– Outro perdido o olhar, e os braços encruzados,
De bruços, n’um divan, roia uma camelia!

Outros fingindo a dĂ´r, fallavam dos ausentes,
Das amantes, dos paes, com gritos d’afflicção,
– Um brandia um punhal, com ditos incoherentes;

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Canção Póstuma

Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte Ă© um poderoso vento.
E Ă© um suspiro tĂŁo tĂ­mido, a Arte…

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro de pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos,
— atento a um canto mais profundo.

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que Arte
se ocupam as pessoas mortas.

Por isso Ă© tĂŁo desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais do que a vida.
Mas Ă  Morte nĂŁo diz mais nada.

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fĂşria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinĂłis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
ViolĂŞncias famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legĂ­tima defesa.
Canto, sem perguntar Ă  Musa
Se o canto Ă© de terror ou de beleza.

Pior que nĂŁo Cantar

Pior que nĂŁo cantar
Ă© cantar sem saber o que se canta

Pior que nĂŁo gritar
Ă© gritar sĂł porque um grito algures se levanta

Pior que nĂŁo andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras sĂŁo pano
que sĂł vento electriza
em ruidosa confusĂŁo
de engano

A Revolução
nĂŁo se burocratiza

Sete Haicais – um Poema

Este vale canta
– um pássaro fez morada
em sua garganta.

O inverno me achou
lavrando a terra. Havia paz
no canto das pás.

Botas de soldado
frente ao mar. – Vindes matar
até as gaivotas?

Partes para a guerra.
Sim, nada digas. Ouçamos
o rio de formigas.

A ideia da morte
vem-me ao colo e pede afagos
como um gato (abstracto).

Ah! amigo, amigo
– alĂ©m da morte, que posso
repartir contigo?

Porque tudo já
foi dito, destravo a lĂ­ngua
no vazio, aos gritos!

A Senhora de Brabante

Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.

Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!

Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…

Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
Ă  Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…

Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…

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Nota Discordante

Porque razĂŁo sorri a Natureza Ă  minha volta?

Reparem na discordância…

É como um grito de revolta
que se solta
por aĂ­ fora…

… e nĂŁo encontra obstáculo para o eco…

A Tua Boca

A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um tĂşnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua lĂ­ngua solta num grito cor-de-rosa
e a minha lĂ­ngua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
Ă  minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As lĂ­nguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.

De Amor

Considera o amor como um retoque num quadro antigo
que subitamente o vem iluminar:
vimo-nos muitas vezes antes de seres no meu olhar
aquela luz em um paĂ­s perdido
que tu quiseste em vĂŁo esconder, negar.

O quadro manteve o mesmo fulgor:
a reverberação no silêncio da perda,
o desamor.

Quem avivou o brilho das tintas, quem corrigiu o baço
sinal da morte? Falámos de uma dor
num fundo esbatido. Falámos do grito mudo do teu corpo.
Falámos de amor.

Que amor nĂŁo me engana

Que amor nĂŁo me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor nĂŁo se entrega
Na noite vazia

E as vozes embarcam
Num silĂŞncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
IrmĂŁ cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia

O Outro

VĂŁo para ti, amor de algum dia,
os gritos rubros da minha alma em sangue;
vives cm mim, corres-me nas veias,
andas a vibrar
na minha carne exangue!

Mas, quando nos teus olhos poisa o meu olhar
enoitado e triste,
vejo-te diferente…
Aquele que tu eras, e que eu amo ainda,
perdeu-se de ti
…e sĂł em mim existe!

Ode para o Futuro

Falareis de nĂłs como de um sonho.
CrepĂşsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. MĂşsica suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angĂşstia delida, melancĂłlica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
– apenas uma angĂşstia melancĂłlica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nĂłs – de nĂłs! – como de um sonho.

A Voz

É tĂŁo suave ess’hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,

Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!

O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.

E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.

Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mĂŁo de Deus.

Mas despregou seu grito
A alcĂ­one gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:

E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.

Turba-se o vasto oceano,
Com hĂłrrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vĂŁo furor,

E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, Ă  luz do raio,
Seu hino Ă  natureza.

Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,

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Sinto na AngĂşstia o Quem me Lembrasse

Sinto na angĂşstia o quem me lembrasse
e do lembrar a mim como uma ponte
onde de noite já ninguém passasse
viesse a notĂ­cia desse outro horizonte

em que o meu grito preso na garganta
dissesse Ă  voz que nĂŁo ouvi e veio
quanto cansaço inverosímil, quanta
fadiga me enternece como um seio.

Vibrátil voga vaga pela tarde
que em cigarros distrai o eu estar sĂł
a chama obscura que visĂ­vel arde
quando arde ao sol o pĂł.

Improviso

Nem sĂł de chuva
se tece a nuvem
nem sĂł de evento
se inventa o vento.

Nem sĂł de fala
se engendra o grito
nem sĂł de fome
prospera o trigo.

Nem sĂł de raiva
arde a metáfora
nem sĂł de enigmas
se enfeita o nada.

Nem sĂł de parca
o céu nos singra
nem sĂł de pĂŁo
se morre Ă  mĂ­ngua

Nem só de pégaso
escapa o seio
para essa concha
partida ao meio.

A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co’as pontas dos dedos, e disse a finar-se:–Chorar nĂŁo Ă© remedio; sĂł te peço que nĂŁo me atraiçoes emquanto o meu corpo fĂ´r quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardĂ­ns a sacudir as mĂŁos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires Ă© igual.

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