A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vĂȘ
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmåtica
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mĂŁos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
prĂłxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vĂŁo dar a esta casa
em silĂȘncio e em silĂȘncio aceitei que me aguardassem
com as inefĂĄveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.

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