VĂ©spera
Amor: em teu regaço as formas sonham
o instante de existir: ainda Ă© bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirĂŁo em teu bruxedo.Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. Ăs tĂŁo secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquitecto.Que pressĂĄgios circulam pelo Ă©ter,
que signos de paixĂŁo, que suspirĂĄlia
hesita em consumar-se, como flĂșor,
se não a roça enfim tua sandålia?Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarĂŁo aberto em susto.
Examinas cada alma. Ă fogo inerte?
O sacrifĂcio hĂĄ de ser lento e augusto.EntĂŁo, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no cĂrculo de luz que desenrolas!Contempla este jardim: os namorados,
dois a dois, lĂĄbio a lĂĄbio, vĂŁo seguindo
de teu capricho o hermético astrolåbio,
e perseguem o sol no dia findo.E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos,
Poemas sobre Inferno de Carlos Drummond de Andrade
2 resultadosNecrolĂłgio dos Desiludidos do Amor
Os desiludidos do amor
estĂŁo desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providĂȘncias
para o remorso das amadas.Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes coraçÔes eles possuĂam.
VĂsceras imensas, tripas sentimentais
e um estĂŽmago cheio de poesia…Agora vamos para o cemitĂ©rio
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixÔes de primeira e de segunda classe).Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Ănica fortuna, os seus dentes de ouro
nĂŁo servirĂŁo de lastro financeiro
e cobertos de terra perderĂŁo o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.