Poemas sobre Noite

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Poemas de noite escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A um Poeta Morto

Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
– Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
– Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto…
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,

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Mudo, Mundo

Como será que os pássaros que vivem no alto mar
dormem? e como será
que o sono demora
no corpo das mulheres
e pode se ajeitar
entre o ventre e a virilha
e como será que a música
que é gravada
permanece no silêncio anos?
e como será que os seios
ignoram o resto do corpo
e vivem a mesma vida
do resto do corpo, enfeite,
punhal, precisa beleza
na morte da madrugada
onde o corpo não dorme
e como será que o cavalo negro
acolhe a presença da lua
na límpida noite
e, ao chegar da manhã,
acolhe a presença da moça
nua que será reflectida
nos seus olhos
maior que a manhã
e como será que a manhã
acolhe em seu puro ventre
os seus irmãos rios?
e como será que a terra
sabe guardar silêncio sobre a morte
e como será que as cobras
se encontram nas florestas
e como será que o homem vive
sem abraçar o dia
e o viandante — irmão do dia?

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Tu Vinhas

Não me fizeste sofrer
mas esperar.

Naquelas horas
emaranhadas, cheias
de serpentes,
quando
a alma me caía e eu me afogava,
tu vinhas-te aproximando,
tu vinhas nua e arranhada,
tu chegavas ensanguentada ao meu leito,
noiva minha,
e então
caminhávamos toda a noite dormindo
e, quando acordávamos,
estavas intacta e nova,
como se o vento grave dos sonhos
acendesse de novo
o fogo da tua cabeleira
e em trigo e prata submergisse
teu corpo até torná-lo deslumbrante.

Eu não sofri, meu amor,
esperava-te apenas.
Tu precisavas de mudar de coração
e de olhar
depois de tocares a profunda
zona do mar que meu peito te entregou.
Precisavas de sair da água
pura como uma gota erguida
por uma onda nocturna.

Noiva minha, tu precisaste
de morrer e de nascer, eu esperava-te.
Não sofri a procurar-te,
sabia que virias,
mas outra, com o que adoro
da mulher que não adorava,
com teus olhos, tuas mãos e tua boca,
mas com outro coração,

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O Meu Cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n’um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama…

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes… choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»…
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me d’elles.

Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites,

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Desejo Indomável

Como corre a gazela
pela sombra dos bosques,
enlouquecida pelo próprio perfume,
assim corro eu, enlouquecido,
nesta noite do coração de maio
aquecida pela brisa do Sul.

Perdi o caminho
e erro ao acaso.
Quero o que não tenho,
e tenho o que não quero.

A imagem do meu próprio desejo
sai do meu coração
e, dançando diante de mim,
cintila uma e outra vez,
subitamente.

Quero agarrá-la, mas escapa-se.
E, já longe, chama-me outra vez
do atalho …
Quero o que não tenho
e tenho o que não quero.

Tradução de Manuel Simões

Uma Beleza Dificílima

O silêncio
abre
o coração das sombras.
Por tal sossego, as árvores
caminham. Mas são as mulheres quem lhes assegura
a elegância do porte.

A harmonia vem do peso da luz
sob a cabeça. Das mãos em arco: os ramos seguram.
Altas são as folhas. Simples.
Lisa a copa.

Não há rumor na terra.
As feras não nasceram ainda. Apenas os peixes.
Fora de água
respiram.

Sim.
O mundo pode ser belo,
apesar de só.

Basta-lhe o fulgor no mais escalvado da noite
e meninos esbeltos e
gelados no sol.
E uma beleza dificílima. E um cauteloso
azul nas garças abatidas pelo céu.
E um primeiro espanto,
uma primeira alegria nas fendas
em direcção
ao pó.

Hino da Manhã

Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!

Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,

O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!

Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…

Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…

E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…

Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,

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Saudade

Segue-me noite e dia o teu desejo!…
Oiço a tua voz rúbida e cantante
Suplicar-me a carícia do meu beijo,
numa teima exigente e perturbante!

E o meu corpo vencido, dominado,
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
– e fica-se a sonhar… perdidamente!

Os Amigos Infelizes

Andamos nus, apenas revestidos
Da música inocente dos sentidos.

Como nuvens ou pássaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.

No entanto, em nós, o canto é quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.

Nunca para vingar as próprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida às flores.

E a noite chega! Ao longe, morre o dia…
A Pátria é o Céu. E o Céu, a Poesia…

E há mãos que vêm poisar em nossos ombros
E somos o silêncio dos escombros.

Ó meus irmãos! em todos os países,
Rezai pelos amigos infelizes!

A Minha Hora

Que horas são? O meu relógio está parado,
Há quanto tempo!…
Que pena o meu relógio estar parado
E eu não poder marcar esta hora extraordinária!
Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento,
Hora som de violino a expirar… Hora vária,
Hora sombra alongada de convento…

Hora feita de nostalgia
Dos degredados…
Hora dos abandonados
E dos que o tédio abate sem cessar…
Hora dos que nunca tiveram alegria,
Hora dos que cismam noite e dia,
Hora dos que morrem sem amar…

Hora em que os doentes de corpo e alma,
Pedem ao Senhor para os sarar…
Hora de febre e de calma,
Hora em que morre o sol e nasce o luar…
Hora em que os pinheiros pela encosta acima,
São monges a rezar…

Hora irmã da caridade
Que dá remédio aos que o não têm…
Hora saudade…
Hora dos Pedro Sem…
Hora dos que choram por não ter vivido,
Hora dos que vivem a chorar alguém…

Hora dos que têm um sonho águia mas… ai!
Águia sem asas para voar…

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Música

Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida

no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,

puro e sem nada,
– rosa encarnada,
intacta, ao vento.

Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,

e ressuscitada…
(Asa da lua
quase parada,

mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua

a minha vida
num chão profundo!
– raiz prendida

a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,

muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada

ao tempo lento…
Minha partida,
minha chegada,

é tudo vento…

Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…

Existir é Ser Possível Haver Ser

Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena… se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino
—Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo,

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Tatuagem

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava

Eu quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo te alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teo braço
Repousa frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço

Eu quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Eu quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, ferro e fogo
Em carne viva

Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo mas não sentes

Aleluia

Era a mulher — a mulher nua e bela,
Sem a impostura inútil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela…
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bíblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo — a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher — a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo…
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nós, homens, o direito à vida!

Aqui Onde se Espera

Aqui onde se espera
– Sossego, só sossego –
Isso que outrora era,

Aqui onde, dormindo,
-Sossego, só sossego-
Se sente a noite vindo,

E nada importaria
-Sossego, só sossego-
Que fosse antes o dia,

Aqui, aqui estarei
-Sossego, só sossego –
Como no exílio um rei,

Gozando da ventura
– Sossego, só sossego –
De não ter a amargura

De reinar, mas guardando
– Sossego, só sossego –
O nome venerando…

Que mais quer quem descansa
– Sossego, só sossego –
Da dor e da esperança,

Que ter a negação
– Sossego, só sossego –
De todo o coração ?

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,

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A um Retrato

Amo-te, flor! Se te amo, Deus que o sabe
Que o diga a teus irmãos, que o Céu povoam
E ébrios de glória cânticos entoam
A quem no mar, na Terra e Céus não cabe.

Se te amo, flor! que o diga o mar que expele
Quanto é domínio, e beija humilde a praia…
Se mal que a Lua lá das ondas saia
Nas rochas me não vê gemer com ele!

Amo-te, flor! Se te amo, o Sol que o diga:
Quando lá da montanha aos Céus se eleva,
Se entre os vermes do pó, que o vento leva,
Me banha a mim também na luz amiga.

Se te amo, flor? Sem ti… que noite escura,
Meu céu, meu campo em flor, meu dia e tudo!
Diga-te a noite minha se te iludo,
Se em vida já sem ti sonhei ventura!

O anjo que no berço humilde e escasso
Do Céu me veio alumiar piedoso
E em lágrimas e riso, pranto e gozo,
Desde então me acompanha passo a passo;

És tu! Amo-te e muito!

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Elegia do Amor

Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.

Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,

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Jeito de Escrever

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas…
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto – o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago…
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera…

Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

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Madrugada

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes