É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro…
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!…Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso…É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!…
Poemas sobre Tristes
243 resultadosFado Português
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Como se Morre de Velhice
Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)
Alma Humana, Formada de Coisa Nenhuma
Anjo:
Alma humana, formada
de nenhüa cousa, feita
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa;
planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa
onde se criam primores
mais que rosas;planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
é ser herdeira
da glória que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
não durmais;
um ponto não esteis parada,
que a jornada
muito em breve é fenecida,
se atentais.(…)
Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela [Alma], e diz o Diabo:
Tão depressa, ó delicada,
alva pomba, pera onde is?
Quem vos engana,
e vos leva tão cansada
por estrada,
que somente não sentis
se sois humana?
Não cureis de vos matar,
que ainda estais em idade
de crecer.
Tempo há i pera folgar
e caminhar…
Vivei à vossa vontade,
Contemplo o que não Vejo
Contemplo o que não vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
Não sinto, não sou triste.
Mas triste é o que estou.
Amor o Quis assim
Agravos de Colopêndio
Pois Amor o quis assi,
que meu mal tanto me dura,
não tardes triste ventura,
que a dor não se doi de mi,
e sem ti não tenho cura.Foges-me, sabendo certo
que passo perigo marinho,
e sem ti vou tão deserto
que, quando cuido que acerto,
vou mais fora de caminho.
Porque tais carreiras sigo,
e com tal dita naci
nesta vida, em que não vivo,
que eu cuido que estou comigo,
e ando fora de mi.Quando falo, estou calado;
quando estou, entonces ando;
quando ando, estou quedado;
quando durmo, estou acordado;
quando acordo, estou sonhando;
quando chamo, então respondo;
quando choro, entonces rio;
quando me queimo, hei frio;
quando me mostro, me escondo;
quando espero, desconfio.Não sei se sei o que digo,
que cousa certa não acerto;
se fujo de meu perigo,
cada vez estou mais perto
de ter mor guerra comigo.
Prometem-me uns vãos cuidados
mil mundos favorecidos,
com que serão descansados;
e eu acho-os todos mudados
em outros mundos perdidos.
As Mãos que se Procuram
Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medidaAs mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesasA pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafiaA carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.[Amor Condusse Noi Ad Una Morte]
Loira
Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto às montras dos livreiros
Quando passaste irônica e insolente,
Mal pousando no chão os pés ligeiros.O céu nublado ameaçava chuva,
Saía gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viúva
Teus cabelos de um louro de cerveja.E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me este contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.Eu buscava uma rima bem intensa
Para findar uns versos com amor;
Olhaste-me com cega indiferença
Através do lorgnon provocador.Detinham-se a medir tua elegância
Os dandies com aprumo e galhardia;
Segui-te humildemente e a distância,
Não fosses suspeitar que te seguia.E pensava de longe, triste e pobre,
Desciam pela rua umas varinas
Como podias conservar-te sobre
O salto exagerado das botinas.E tu, sempre febril, sempre inquieta,
Havia pela rua uns charcos de água
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua
De um tecido ligeiro e violeta.Adorável! Na idéia de que agora
A branda anágua a levantasse o vento
Descobrindo uma curva sedutora,
Ausencia
Lúgubre solidão! Ó noite triste!
Como sinto que falta a tua Imagem
A tudo quanto para mim existe!Tua bemdita e efémera passagem
No mundo, deu ao mundo em que viveste,
Á nossa bôa e maternal Paisagem,Um espirito novo mais celeste;
Nova Forma a abraçou e nova Côr
Beijou, sorrindo, o seu perfil agreste!E ei-la agora tão triste e sem verdor!
Depois da tua morte, regressou
Ao seu velhinho estado anterior.E esta saudosa casa, onde brilhou
Tua voz num instante sempiterno,
Em negra, intima noite se occultou.Quando chego á janela, vejo o inverno;
E, á luz da lua, as sombras do arvoredo
Lembram as sombras pálidas do Inferno.Dos recantos escuros, em segredo,
Nascem Visões saudosas, diluidos
Traços da tua Imagem, arremêdoQue a Sombra faz, em gestos doloridos,
Do teu Vulto de sol a amanhecer…
A Sombra quer mostrar-se aos meus sentidos…Mas eu que vejo? A luz escurecer;
O imperfeito, o indeciso que, em nós, deixa
A amargura de olhar e de não vêr…
Passo Triste no Mundo
Passo triste no mundo, alheio ao mundo.
Passo no mundo alheio, sem o ver,
E místico, ideal e vagabundo,
Sinto erguer-se minh’Alma do profundo
Abismo do seu Ser.Vivo de Mim, em Mim, e para Mim,
E para Deus em Mim ressuscitado,
Sou Saudade do Longe donde vim,
E sou Ânsia do Longe, em que por fim
Serei transfigurado.Vivo de Deus, em Deus, e para Deus,
E minh’alma, sonâmbula, esquecida,
Nele fitando os tristes olhos seus,
Passa triste e sozinha, olhando os céus,
No caminho da Vida.Fui Outro, e, Outro sendo, Outro serei;
Outro vivendo a mística beleza,
Por esta humana forma que encarnei,
Por lágrimas de sangue que chorei
Na terra da tristeza.Espírito na Dor purificado,
Ser que passa no mundo, sem o ver,
Em esta pobre terra de pecado,
Amor divino em Deus extasiado,
O meu Ser é Não-Ser em Outro-Ser.
Epitáfio
Ainda correm lágrimas pelos
teus grisalhos, tristes cabelos,
na terra vã desintegrados,
em pequenas flores tornados.Todos os dias estás viva,
na soledade pensativa,
ó simples alma grave e pura,
livre de qualquer sepultura!E não sou mais do que a menina
que a tua antiga sorte ensina.
E caminhamos de mão dada
pelas praias da madrugada.
Corpo de Mulher…
Corpo de mulher, brancas colinas, coxas
[brancas,
pareces-te com o mundo na tua atitude de
[entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti
e faz saltar o filho do mais fundo da terra.Fui só como um túnel. De mim fugiam os
[pássaros,
e em mim a noite forçava a sua invasão
[poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco, como uma pedra
na minha funda.Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.
Corpo de pele, de musgo, de leite ávido e firme.
Ah os copos do peito! Ah os olhos de ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah a tua voz lenta e
[triste!Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limite, meu
[caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua, e a dor infinita.
A Despedida
Três modos de despedida
Tem o meu bem para mim:
– «Até logo»; «até à vista»:
Ou «adeus» – É sempre assim.«Adeus», é lindo, mas triste;
«Adeus» … A Deus entregamos
Nossos destinos: partimos,
Mal sabendo se voltamos.«Até logo», é já mais doce;
Tem distancia e ausência, é certo;
Mas não é nem ano e dia,
Nem tão-pouco algum deserto.Vale mais «até à vista»,
Do que «até logo» ou «adeus»;
«À vista», lembra, voltando,
Meus olhos fitos nos teus.Três modos de despedida
Tem, assim, o meu Amor;
Antes não tivesse tantos!
Nem um só… Fora melhor.
Velha Página
Chove. Que mágoa lá fora!
Que mágoa! Embruscam-se os ares
Sobre este rio que chora
Velhos e eternos pesares.E sinto o que a terra sente
E a tristeza que diviso,
Eu, de teus olhos ausente,
Ausente de teu sorriso…As asas loucas abrindo,
Meus versos, num longo anseio,
Morrerão, sem que, sorrindo,
Possa acolhê-los teu seio!Ah! quem mandou que fizesses
Minh’alma da tua escrava,
E ouvisses as minhas preces,
Chorando como eu chorava?Por que é que um dia me ouviste,
Tão pálida e alvoroçada,
E, como quem ama, triste,
Como quem ama, calada?Tu tens um nome celeste…
Quem é do céu é sensível!
Por que é que me não disseste
Toda a verdade terrível?Por que, fugindo impiedosa,
Desertas o nosso ninho?
– Era tão bela esta rosa!…
Já me tardava este espinho!Fora melhor, porventura,
Ficar no antigo degredo
Que conhecer a ventura
Para perdê-la tão cedo!Por que me ouviste, enxugando
O pranto das minhas faces?
Embirração
(A Machado de Assis)
A balda alexandrina é poço imenso e fundo,
Onde poetas mil, flagelo deste mundo,
Patinham sem parar, chamando lá por mim.
Não morrerão, se um verso, estiradinho assim,
Da beira for do poço, extenso como ele é,
Levar-lhes grosso anzol; então eu tenho fé
Que volte um afogado, à luz da mocidade,
A ver no mundo seco a seca realidade.Por eles, e por mim, receio, caro amigo;
Permite o desabafo aqui, a sós contigo,
Que à moda fazer guerra, eu sei quanto é fatal;
Nem vence o positivo o frívolo ideal;
Despótica em seu mando, é sempre fátua e vã,
E até da vã loucura a moda é prima-irmã:
Mas quando venha o senso erguer-lhe os densos véus,
Do verso alexandrino há de livrar-nos Deus.Deus quando abre ao poeta as portas desta vida,
Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
E o triste, se morreu, deixando mal escritas
Em verso alexandrino histórias infinitas,
Vai ter lá noutra vida insípido desterro,
Se Deus, por compaixão, não dá perdão ao erro;
Adolescentes
Exaustos, mudos, sempre que os vejo,
Nos bancos tristes que há na cidade,
Sobe em mim próprio como um desejo
Ou um remorso da mocidade…E até a brisa, perfidamente
Lhes roça os lábios pelos cabelos
Quando a cidade, na sua frente
Rindo e correndo, finge esquecê-los!Eles, no entanto, sentem-na bela.
(Deram-lhe sangue, pranto e suor).
Quantos, mais tarde se vingam dela
Por tudo o que hoje sabem de cor!E essas paragens nos bancos tristes
(Aquela estranha meditação!)
Traz-lhes, meu Deus, só porque existes,
A garantia do teu perdão!
Bemdito Sejas
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dôr,
Estremecendo, acórda…A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa…Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
– E a minha dôr adormece,
E o leão é socegado.Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!Grande vida!
– Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
O Poeta
Triste, lá vai à ronda dos segredos
O maluco que rouba quanto vê.
Branco, do coração aos dedos,
É todo antenas onde apenas lê.Murcha-lhe nos pés o rosmaninho
E a própria rosa, de o sentir, descora;
Mas é um Deus que passeia o seu caminho
A beber a amargura de quem chora.Magro, lá passa, e lá se vai consigo
A luz das coisas e a flor de tudo.
É um bruxo lento, tenebroso e antigo,
Pálido, sério, solitário e mudo.
Nem Sequer Sou Poeira
Não quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pó e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhã
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidão que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercício nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda não sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino.
Pobre Tysica!
Quando ella passa á minha porta,
Magra, livida, quazi morta,
E vae até á beira-mar,
Labios brancos, olhos pizados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração poe-se a chorar…Perpassa leve como a folha,
E suspirando, ás vezes, olha
Para as gaivotas, para o Ar:
E, assim, as suas pupillas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as azas para voar!Veste um habito cor de leite,
Saiinha liza, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vaes cazar…»Triste, acompanha-a um Terra-Nova
Que, dentro em pouco, á fria cova
A irá de vez acompanhar…
O chão desnuda com cautella,
Que Boy conhece o estado d’ella:
Quando ella tosse, poe-se a uivar!E, assim, sósinha com a aia,
Ao sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bébés, que é o seu logar…
E o Oceano, tremulo avôzinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vem ter com ella a conversar…Fallam de sonhos, de anjos,