Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Sonetos sobre Alma
647 resultadosRegina Martyrum
Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –Sê tu a mão que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
Sonho Vago
Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante…Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou…Um fogo-fátuo rútilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!…
Menino e Moço
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizão de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porém, Senhor! ellas não voltam mais…
a fava
espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhavanuma ordem das coisas cuja lei
de afectos e memória em nós se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos…
e até por quem nos falta então se irisana mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.
Descida
O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torporNa sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
Se Eu Fosse Um Padre
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
– muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!Porque a poesia purifica a alma
… a um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
um belo poema sempre leva a Deus!
Amor, Co A Esperança Já Perdida
Amor, co a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta te com as lágrimas que choro.
Presa Do Ódio
Da tu’alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu’alma abalou de lado a lado.Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!
Cartas
Vou correndo buscá-las – são tão leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
– por que as cartas que escreves custam tanto?
– por que demora tanto o que me escreves?Não deves torturar-me assim, não deves!
– Do teu silêncio muita vez me espanto…
Mando-te longas cartas – e entretanto
como tuas respostas são tão breves!…Recebes cartas minhas todo dia,
e elas não dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor… de coisas belas!Tuas cartas… Mas dou-te o meu perdão,
– que me importa afinal ter razão,
se gosto tanto de esperar por elas!
Sem Esperança
Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vão Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.Nas veredas da vida a alma não cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no Perdão descansa.Na volúpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.E em vão alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.
Sem Causa, Juntamente Choro e Rio
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um’ hora.Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
Vejo que nem um Breve Engano Posso Ter
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.Lá numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.Brado: − Não me fujais, sombra benina. −
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)Torna a fugir-me; torno a bradar: − Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
Para Quê?!
Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…Beijos de amor! Pra quê?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…
Marília De Dirceu
Soneto 4
Ainda que de Laura esteja ausente,
Há de a chama durar no peito amante;
Que existe retratado o seu semblante,
Se não nos olhos meus, na minha mente.Mil vezes finjo vê-la, e eternamente
Abraço a sombra vã; só neste instante
Conheço que ela está de mim distante,
Que tudo é ilusão que esta alma sente.Talvez que ao bem de a ver amor resista;
Porque minha paixão, que aos céus é grata
Por inocente assim melhor persista;Pois quando só na idéia ma retrata,
Debuxa os dotes com que prende a vista,
Esconde as obras com que ofende, ingrata.
Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada
Deixai que deste álbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!Porém qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!…Rasguemos do porvir os áditos, os véus!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!
Mais Forte Do Que A Morte
Chego trêmulo, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
– E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu’alma.E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
A. L.
Não és a flor olímpica e serena
Que eu vejo em sonhos na amplidão distante;
Não tens as formas ideais de Helena,
As formas da beleza triunfante;Não és também a mística açucena,
A alva e pura Beatriz do Dante;
És a artista gentil, a flor morena
Cheia de aroma casto e penetrante.Não sei que graça, que esplendor, que arpejo
Eu sinto dentro d’alma quando vejo
Teu corpo aéreo, matinal, franzino…Faz-me lembrar as vívidas napeias,
E as formas vaporosas das sereias
Rendilhadas num bronze florentino.