Cabelos
I
Cabelos! Quantas sensações ao vê-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…Sonhos, mistĂ©rios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsões de um rio
Passa na noite cálida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂŞncias fatais, da nostalgia…AurĂ©ola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
Lânguida Noite da melancolia!
Sonetos sobre Beijos
157 resultadosRuĂnas
Se Ă© sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida Ă© um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruĂnas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida Ă© um contĂnuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguĂŞ-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
SĂŁo como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
Noivado
Os namorados ternos suspiravam,
Quando há de ser o venturoso dia?!
Quando há de ser!? O noivo então dizia
E a noiva e ambos d’amores s’embriagavam.E a mesma frase o noivo repetia;
Fora no campo pássaros trinavam,
Quando há de ser!? E os pássaros falavam;
Há de chegar, a brisa respondia.Vinha rompendo a aurora majestosa,
Dos rouxinĂłis ao sonoroso harpejo
E a luz do sol vibrava esplendorosa.Chegara enfim o dia desejado,
Ambos unidos soluçara um beijo,
Era o supremo beijo de noivado!
Roseira Brava
Há nos teus olhos um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti Ă© ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.Tuas mĂŁos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
SĂŁo como a alma a arder do prĂłprio Amor!Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!Tua irmĂŁ…teu amor…e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que Ă© sĂł minha!…
DedicatĂłria
Este meu livro Ă© todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glĂłria
verso por verso, a estranha trajetĂłria
desta nossa afeição ciumenta e rara!Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta cousa afinal na nossa histĂłria…
E este verso – Ă© a feliz dedicatĂłria…
onde a minha alma inteira se declara…Abre este livro… E encontrarás entĂŁo
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração…E se o leres mais alto, quando a sĂłs,
Ă© como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua prĂłpria voz!
Velho Tema II
Eu cantarei de amor tĂŁo fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.Quero que meu amor se te apresente
– NĂŁo andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como Ă©: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
Ă€ galharda conquista do te beijo.
Desengano
A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensĂŁo!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos…, pela posta;Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo… oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!Com um pançudo burguês, uma alimária
Que nĂŁo a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.
Pés
VI
LĂvidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.Pés que já no caixão, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinações dilacerantes!
Em Busca Da Beleza V
Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que sĂŁo beijos?
A vida Ă© sĂł o esperar morrer.Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes Ăşnicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.
Soneto de amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas lĂnguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.E em duas bocas uma lĂngua…, — unidos,
NĂłs trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; nĂŁo digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
I – Ă€ Morte Do PrĂncipe D. Pedro
Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a prĂłpria vida.
Ă€ esposa que a ventura vĂŞ perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
SĂł morrendo livrou-nos do pecado,Se a terra Ă voz do GĂłlgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!
Blasfémia
SilĂŞncio, meu Amor, nĂŁo digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim…
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pátio alucinante de Granada!Dos meus cĂlios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dás já foram meus!Em ti sou Glória, Altura e Poesia!
E vejo-me — milagre cheio de graça! —
Dentro de ti, em ti igual a Deus!…
Vingança
“Vingança…”
I
Ontem eu a possuĂ … e vocĂŞ nĂŁo Ă© minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu …
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que vocĂŞ nĂŁo deu …De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que Ă© real e se impĂ´s ao meu”eu”…
E o corpo que eu tocava e a minha mĂŁo sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos – era o seu!Ontem por mais que a idĂ©ia seja estranha e louca,
– vocĂŞ foi minha enfim!… apertei-a ao meu peito…
desmanchei seus cabelos… machuquei-lhe a boca!E possuĂa afinal, – num Ămpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixĂŁo e amor!
XVII
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosasMas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …E os cĂ©us se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
Nocturno
Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenĂşfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as águas!Poisa as mĂŁos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…
Realidade
Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…
Dor
Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido adivinho.“No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste… O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho…”E assim tem sido… Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu Ăntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!
Continua a Tempestade
Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,
Scismo em meu lar, na paz que lá havia:
Carlota, á noite, ia ver se eu dormia
E vinha, de manhĂŁ, trazer-me o leite…Aqui, nĂŁo tenho um unico deleite!
Talvez… baixando, em breve, á Agoa fria,
Sem um beijo, sem uma Ave-Maria,
Sem uma flor, sem o menor enfeite…Ah! podesse eu voltar á minha infancia!
Lar adorado, em fumos, a distancia,
Ao pĂ© de minha IrmĂŁ, vendo-a bordar…Minha velha aia! conta-me essa historia
Que principiava, tenho-a na memoria,
«Era uma vez…»
Ah deixem-me chorar!
Campesinas III
As papoulas da saĂşde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ă“ bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.
O Beija-Flor
Acostumei-me a vĂŞ-lo todo o dia
De manhĂŁzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim – a pátria da ambrosia.Pequeno e lindo, sĂł me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro…
Vinha trazer Ă s rosas o primeiro
Beijo do Sol, n’essa manhĂŁ tĂŁo fria!Um dia, foi-se e nĂŁo voltou… Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho…Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!