Sonetos sobre Certeza

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Sonetos de certeza escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vingança

“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…

Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…

Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…

Quero unir minha vida à tua vida,
sentir que és minha só, ter-te possuída,
para então, só depois, te abandonar!…

Camões, Grande Camões, quão Semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

Senhora II

No calmo colo meus segredos pouso
Senhora que cavalga meu sendeiro.
Convoco vossa ajuda neste escorço
para viver a vida por inteiro.

Não sei se o vero verbo em que repouso
vem me afogar no mais turvo atoleiro
mas sei pela certeza que em meu fosso
nunca se afunda o trato companheiro.

Meu rosto depressivo de exilado
alberga-se em vossa aura na fadiga
trazendo o sal dos olhos marejados.

Águas que são garoa da cantiga
de recorrentes gotas despejadas
as vossas mãos regando, amada e amiga.

O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

Meu Coração

Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…

Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…

Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…

Aspiração

Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.

Minh’alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

Insatisfeito

Quem ler os versos meus onde há certa tristeza
e certo desencanto suave e contrafeito,
poderá num momento pensar, com certeza,
que trago inutilmente um coração no peito!…

E que vivo afinal inquieto e insatisfeito
de paixão em paixão… de surpresa em surpresa,
– como um rio a mudar o curso do seu leito
sem saber aonde o arrasta a própria correnteza!

E acertará talvez, – pois falta essa mulher
que consiga escrever seu nome em minha vida
sem deixar no passado outro nome qualquer…

Falta-me um grande amor… Falta-me tudo em suma!
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida
por ter amado tantas sem amar nenhuma!

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsíssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto não mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

Incerteza

Desde a manhã tristonha em que partiste
que não posso pensar senão em ti,
tenho a louca impressão que te perdi
que nada mais entre nós dois existe…

Ao te ver a sorrir, como sorriste
no instante da partida, compreendi,
– que talvez, nunca mais voltes aqui…
– que hei de viver eternamente triste…

Por que tu me deixaste a duvidar?
Preferia mil vezes a certeza,
já que um dia a certeza há de chegar…

Nem sabes a amargura que me invade,
– a vida que hoje levo, é uma tristeza,
um misto de tristeza e de saudades!

A Morte Sendo Amor

Quantas vezes subi com a pedra às costas
para depois descer com o mesmo fardo
torneio em que sou alvo do meu dardo
próprio, a sangrar nas távolas de apostas.

Não me sei vencedor. Tampouco guardo
as dores, ou fraturas mais expostas.
Sei que vou quando chego e não me tardo.
Lição que é nascitura e de ocasos

na transversal em curva me celebro
o vencedor, o torto sem atrasos.
Eis aí a certeza derradeira

que chega invitável sem ter prazos:
vivi todas subidas e descidas
amortecendo o amor sem as feridas

Linda

Intimamente sinto uma grande vontade
de não mais duvidar do que você me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…

Quero crer… na inconstância e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que é meu o seu amor, só meu… de mais ninguém…

Quero nessa ilusão – minha íntima esperança
transformar na feliz e invejável certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…

Mas é inútil, bem sei… A dúvida não finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
não sei como confiar em quem nasceu tão linda!

Resposta

Alma: não tiveste um lugar. Assim,
te foste ao reino prometido, e dobras-te
agora em quanta solidão venceste,
impelida num mundo de retorno.

Nem a razão expectante permitiu
o maior pensamento de certezas!
Alma: da terra ao céu o traço fino
da tua directriz — mais não ficou…

Eis a vida — pó cruel, ansiedade
que deu a forma à tua acção perfeita
em sombras de tristeza e dia a dia.

Desvendado segredo! A dor que seja
o fogo, tua lembrança encontrou
nesse vazio a única palavra…

Poeira

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.

Passional

És lânguida e amorosa quando estás sozinha
e em teu corpo perfeito este amor apoteosas!
Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha
e há um teu beijo um sabor encarnado de rosas!

Nasceste com certeza para ser rainha,
e o serias na certa, das mais poderosas!
– no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha
cabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas!

Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito
espalham-se em meu ombro, emolduram teu rosto,
e, quando assim te sinto abatida em meu peito

os teus olhos castanhos, místicos, oblongos,
vão morrendo em desmaios roxos de sol posto
sob a noite de seda dos teus cílios longos!

Soneto Da Conciliação

Que o amor não me iluda, como a bruma
que esconde uma imprevista segurança.
Antes, sustente o chão em que descansa
o que se irá, perdido como a espuma.

Veja que eu me elegi, mas sem nenhuma
razão de assim fazer, e sem lembrança
de aproveitar apenas a esquivança
de que o amor não prescinde em parte alguma.

Que também não se alheie ao que esclarece
o motivo real, de uma oferta,
reunir o acessório e o imprescindível.

Antes, atente a tudo o que se tece
distante do seu dia inconsumível
que dá certeza à noite mais incerta.

A Segurança Destas Paralelas

A segurança destas paralelas
— a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e é por elas
que subo lentamente cada monte.

O tempo arrefecido, e só soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.

E vêm novos nomes: são as fadas,
gigantes e anões, que são assim
alegres de o serem — parcos nadas

que enchendo de silêncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas…
Agora eu estou em ti e tu em mim.

Lacrimae Rerum

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…

Paira No Ambíguo Destinar-Se

Paira no ambíguo destinar-se
Entre longínquos precipícios,
A ânsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplícios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifícios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusões com interstícios,

Tudo velado, e o ócio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciência de perder-se…

Tamanha a flama e pequenina
Pensar na mágoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza.

Minha Mãe

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer – Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Ciclo Terreno

Só morta a natureza se comporta
na expectativa podre dessas frutas
amolecidas no chão que as conforta
para o vôo de moscas dissolutas.

Esse tempo ruído rói a crosta
de rugas ventiladas na disputa
de asas amaciando a pele morta
deixando à mostra o feto do desfruto.

O cheiro cavo amaro pousa às costas
do vento que carrega no azedume
sementes de tanino em seu curtume.

São muitos comensais nesse repasto
velando o transitório na certeza
sabendo que outra fruta volta à mesa.