Sonetos sobre Bem de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Sonetos de bem de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Leia este e outros sonetos de Manuel Maria Barbosa du Bocage em Poetris.

Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Adamastor Cruel! De Teus Furores

Adamastor cruel! De teus furores
Quantas vezes me lembro horrorizado!
Ó monstro! Quantas vezes tens tragado
Do soberbo Oriente os domadores!

Parece-me que entregue a vis traidores
Estou vendo Sepúlveda afamado,
Co’a esposa e co’os filhinhos abraçado,
Qual Mavorte com Vénus e os Amores.

Parece-me que vejo o triste esposo,
Perdida a tenra prole e a bela dama,
Às garras dos leões correr furioso.

Bem te vingaste em nós do afoito Gama!
Pelos nossos desastres és famoso.
Maldito Adamastor! Maldita fama!

Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo

Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrível pregão da eternidade!

Morte, Juízo, Inferno e Paraíso

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.

Apenas Vi Do Dia A Luz Brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

Desejo Amante

Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, não erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:

Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do Céu vieste à Terra,
Não precisas dos olhos de um amante.

Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a Lília desse!

Folgara o coração quanto se oprime;
E a Razão, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.

O poeta asseteado por amor

Ó Céus! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem não receia
Contemplar Ursulina um só momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrílega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
À tua linda ingrata algum suspiro.”

Autobiografia

De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.

Nos Campos O Vilão Sem Susto Passa

Nos campos o vilão sem susto passa
inquieto na corte o nobre mora;
o que é ser infeliz aquele ignora,
este encontra nas pompas a desgraça;

aquele canta e ri, não se embaraça
com essas coisas vãs que o mundo adora;
este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
porque não acha bem que o satisfaça;

aquele dorme em paz no chão deitado,
este no ebúrneo leito precioso
nutre, exaspera velador cuidado,

triste, sai do palácio majestoso.
Se hás-de ser cortesão mas desgraçado,
anter ser camponês e venturoso.

Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças

Negra fera, que a tudo as garras lanças,
Já murchaste, insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.

Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças, vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!

Domicílio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruída a formosura,
Abre-te, dá lugar a um desgraçado.

Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, Tirsália! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, ó sepultura!

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.

O Suspiro

Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de Vénus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos corações a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:

Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:

Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tão infeliz, que isso me basta.

Nada se Pode Comparar Contigo

O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cândida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A Deusa das paixões e de Citera;

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.