Sonetos de Cruz e Souza

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Sonetos de Cruz e Souza. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Tortura Eterna

ImpotĂȘncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inĂștil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, Ó luta secular, insana!

Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarÔes supernos.

Ó Sons intraduzĂ­veis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mĂĄrmores eternos!

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Canção Da Formosura

Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lĂĄbios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta apĂłs dentre a pupila.

Sobe, cantando, a limpidez tranqĂŒila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…

Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.

Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensaçÔes ao vĂȘ-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsÔes de um rio
Passa na noite cĂĄlida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂȘncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
LĂąnguida Noite da melancolia!

Clamando

BĂĄrbaros vĂŁos, dementes e terrĂ­veis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarĂŁo secreto
Jamais pĂŽde inflamar-vos, ImpassĂ­veis!

Tantas guerras bizarras e incoercĂ­veis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
SĂŁo para vĂłs menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensĂ­veis.

No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rĂștilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…

As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das IlusÔes que flamejaram,
Com o prĂłprio sangue fecundando as terras…

Mealheiro De Almas

LĂĄ, das colheitas do celeste trigo,
Deus ainda escolhe a mais louçã colheita:
É a alma mais serena e mais perfeita
Que ele destina conservar consigo.

Fica lĂĄ, livre, isenta de perigo,
TranqĂŒila, pura, lĂ­mpida, direita
A alma sagrada que resume a seita
Dos que fazem do Amor eterno Abrigo.

Ele quer essas almas, os pĂŁes alvos
Das aras celestiais, claros e salvos
Da Terra, em busca das Esferas calmas.

Ele quer delas todo o amor primeiro
Para formar o cĂąndido mealheiro
Que hĂĄ de estrelar todo o Infinito de almas.

Êxtase BĂșdico

Abre-me os braços, Solidão profunda,
ReverĂȘncia do cĂ©u, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!

Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dĂĄ-me essa castidade,
As azuis florescĂȘncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!

As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!

Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂșdica Noite Redentora!

Campesinas IV

Através das romãzeiras
E dos pomares floridos
Ouvem-se as vezes ruĂ­dos
E bater d’asas ligeiras.

SĂŁo as aves forasteiras
Que dos seus ninhos queridos
VĂȘm dar ali os gemidos
Das ilusÔes passageiras.

VĂȘm sonhar leves quimeras,
IdĂ­lios de primaveras,
Contar os risos e os males.

VĂȘm chorar um seio de ave
Perdida pela suave
CarĂ­cia verde dos vales.

Humildade Secreta

Fico parado, em ĂȘxtase suspenso,
Às vezes, quando vou considerando
Na humildade simpĂĄtica, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.

Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂŽmeno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.

De onde nĂŁo sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂ­mpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.

Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.

Sensibilidade

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos paĂ­ses de NĂșbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixÔes, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lĂĄgrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…

Vanda

Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
MakuĂąma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.

Nesse teu lĂĄbio sem calor onde anda
A sombra vĂŁ de amores que sentiste
Outrora, acende risos que nĂŁo viste
Nunca e as tristezas para longe manda.

Esquece a dor, a lĂșbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.

Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.

Imortal Falerno

Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.

Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lå do fundo de um céu sempre risonho.

Sempre uma voz dos Ermos, das DistĂąncias!
Sempre as longĂ­nquas, mĂĄgicas fragrĂąncias
De uma voz imortal, divina,pura…

E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lĂĄgrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em JordÔes imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

Campesinas VI

As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.

Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
À espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.

Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.

Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂ­neas, com sol na cor.

Campesinas VIII

Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.

No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.

Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.

Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!

MĂŁe E Filho

Às mães desamparadas

Jesus, meu filho, o encanto das crianças,
Quando na cruz, de angustia espedaçado,
Em sangue casto e lĂ­mpido banhado,
Manso, tĂŁo manso como as pombas mansas;

Embora as duras e afiadas lanças
Com que os judeus, tinham, de lado a lado,
Seu coração puríssimo varado,
Inda no olhar raiavam-lhe esperanças.

Por isso, Ăł filho, Ăł meu amor — se a esmola
De algum conforto essencial nĂŁo rola
Por nĂłs — Ă© forca conduzir a cruz!…

Mas, volta Ăł filho, pesaroso e triste.
Se a nossa vida sĂł na dor consiste,
Ah! minha mĂŁe, por que morreu Jesus?…

Chuva De Ouro

A Rainha desceu do CapitĂłlio
Agora mesmo — vede-lhe o regaço…
Como tem flores, como traz o braço
Farto de jĂłias, como pisa o sĂłlio

Triunfantemente, numa unção, num óleo
Mais santo e doce que essa luz do espaço…
E como desce com bravura de aço…
Pois se a Rainha, como um rico espĂłlio,

O seu brioso coração foi dando
Aos pobrezinhos, que inda estĂŁo gozando
BĂȘnçãos mais puras qu’os clarĂ”es diurnos,

Por certo que hĂĄ de vir descendo a escada
Do CapitĂłlio da virtude — olhada
Pelos Albergues infantis, noturnos!

Ao EstrĂ­dulo Solene Dos Bravos

– Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dĂĄ vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! Ă­dolo da arte!…
– O sol pĂĄra o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.

A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂ­vea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
LĂĄ, quando no proscĂȘnio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!

EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂ­mida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lĂĄgrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mĂĄgoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitĂĄria madona da Tristeza!

Alma Ferida

Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,

Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.

Mesmo na Dor espera com clemĂȘncia
E sobe Ă  sideral resplandecĂȘncia,
Longe de um mundo que só tem peçonha.

Das ruĂ­nas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!