Sonetos sobre Estranhos

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Sonetos de estranhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Espera…

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Satã

Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã dentre os Satãs augustos.

Por verdes e por báquicos adornos
Vai c’roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.

Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
A púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos…

O Sonho agita-lhe a imortal cabeça…
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!

Caminho Da Glória

Este caminho é cor de rosa e é de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.

Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.

É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminh

Os seres virginais que vêm da Terra,
Ensangüentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.

A Aeronave

Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n’amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.

Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.

Para Quê?

Ao velho amigo João

Para quê ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quê ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?

Prodígio!

Como o Rei Lear não sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o céu d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.

A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em músicas rebenta.

Em músicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistério singular, nevoento…

Ah! só da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!

Soneto

A Moreira de Vasconcelos

Na luta dos impossíveis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terríveis!
(Do Autor)

É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!…

Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!…
Parece haver a convulsão potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!…

Hão de ruir na transfusão dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vãs da brasileira história!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebóis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glória!!…

Titãs Negros

Hirtas de Dor, nos áridos desertos
Formidáveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os céus abertos…

Negros e nus, negros Titãs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonâmbulos, incertos…

Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsão de trágicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes…

Têm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiões escravas,
De dantescos e torvos Satanases!…

Visão

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sê bendita!

Seja bendito esse clarão eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Por Decoro

Quando me esperas, palpitando amores,
E os grossos lábios úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando as rosas as púrpureas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.

Noiva

Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu
como em flocos de espuma, espalhado no chão…
No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,
e leva um céu maior dentro do coração…

Nos lábios… Ah! nos lábios o sabor do mel,
e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,
– e que tremor no braço, ao deixar no papel
o nome dela, o dele… os dois desde então…

Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vida
é esse caminho azul, esse estranho embaraço
de sentir-se ao seu lado adorada e querida…

Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu…
Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço
não pensa que caminha em direção ao céu ?…

Coração Solitário

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua – é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

Disputa em Família

I

Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:

« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!

Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…

Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! — »

II

Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,

Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:

« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.

Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,

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Flor Do Mar

És da origem do mar, vens do secreto,
Do estranho mar espumaroso e frio
Que põe rede de sonhos ao navio,
E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.

Possuis do mar o deslumbrante afeto,
As dormências nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.

Num fundo ideal de púrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
Como a lua entre a névoa dos espaços…

Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens musicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços…

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.

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No Alto

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.

Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.

Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,

Ariel se desfaz sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro estendeu-lhe a mão.

Nervos D’Oiro

Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!

E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são
Toda a Arte suprema dos meus versos!

A Fermosura Fresca Serra

A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

Que Hei De Fazer ?

Por certo havia rastros e pegadas
pelos caminhos onde me perdi,
e colhi rosas brancas e encarnadas
que se despetalaram por aí.

Quantos tudos julguei, que foram nadas,
quanto amor batizei que não senti,
– até o momento em que as encruzilhadas
se desencruzilharam – rumo a ti.

Que hei de fazer? Farei tudo que possa
para que aceites a felicidade
que depende de ti para ser nossa…

Pode ser tudo estranho e paradoxal;
julgas que foste a última, e em verdade
foste a primeira e única afinal.

Tulipa Real

Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.

A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de límpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.

Deslumbramento de luxúria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.

Teu coração lembra a orgia dos triclínios…
E os reis dormem bizarros e sangüíneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.