Sonetos sobre Golpes de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de golpes de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XLVII

Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco! já ferido
Do proceloso vento, e já batido
Do mar, que nele quebra a cada instante!

Não vi; nem hei de ver mais semelhante
Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Jamais pode fazer, que enternecido
Seu peito atenda às queixas de um amante.

Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,
Que vês nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia:

Mas que diversa é tua natureza!
Dos contínuos excessos da porfia,
Recobras novo estímulo à fereza.

XLI

Injusto Amor, se de teu jugo isento
Eu vira respirar a liberdade,
Se eu pudesse da tua divindade
Cantar um dia alegre o vencimento;

Não lograras, Amor, que o meu tormento,
Vítima ardesse a tanta crueldade;
Nem se cobrira o campo da vaidade
Desses troféus, que paga o rendimento:

Mas se fugir não pude ao golpe ativo,
Buscando por meu gosto tanto estrago,
Por que te encontro, Amor, tão vingativo?

Se um tal despojo a teus altares trago,
Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Alente a quem te busca, o doce afago.

XXXVII

Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tão pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:

Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez não esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.

Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois não pode ser mais seu desconcerto.

Que me pode fazer a sorte dura,
Se para não sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!

LXXIII

Quem se fia de Amor, quem se assegura
Na fantástica fé de uma beleza,
Mostra bem, que não sabe, o que é firmeza,
Que protesta de amante a formosura.

Anexa a qualidade de perjura
Ao brilhante esplendor da gentileza,
Mudável é por lei da natureza,
A que por lei de Amor é menos dura.

Deste, ó Fábio, que vês, desordenado,
Ingrato proceder se é que examinas
A razão, eu a tenho decifrado:

São as setas de Amor tão peregrinas,
Que esconde no gentil o golpe irado;
Para lograr pacífico as ruínas.