Sonetos sobre InĂșteis

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Sonetos de inĂșteis escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XVI

Toda a mortal fadiga adormecia
No silĂȘncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavĂ­ssimo alterava
Na muda confusĂŁo da sombra fria:

SĂł Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior nĂŁo repousava;
Sentindo o mal, com lĂĄgrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.

VĂȘ Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecĂȘ-na Ă© inĂștil arte;
Fazer o que ela quer, Ă© rigor forte:

Mas de modo entre as penas se reparte;
Que Ă  Lise rende a alma, a vida Ă  morte:
Por que uma parte alente a outra parte.

Triste Bahia! Oh QuĂŁo Dessemelhante

Triste Bahia! oh quĂŁo dessemelhante
EstĂĄs e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado.
Rica te vi eu jĂĄ, tu a mim abundante.

A ti tocou-te a mĂĄquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negĂłcio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açĂșcar excelente
Pelas drogas inĂșteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tĂŁo sisuda
Que fora de algodĂŁo o teu capote!

Foi Um Dia De InĂșteis Agonias

Foi um dia de inĂșteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…

Foi um dia de falsas alegrias.
DĂĄlia a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…
Voltavam ranchos das romarias.
DĂĄlia a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…

Dia impressĂ­vel mais que os outros dias.
TĂŁo lĂșcido… TĂŁo pĂĄlido… TĂŁo lĂșcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…

O dia fĂștil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…
TĂŁo lĂșcido… TĂŁo pĂĄlido… TĂŁo lĂșcido!…

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma Ă© perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vĂŁ, inĂștil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lĂĄbios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

A Vida

É vĂŁo o amor, o Ăłdio, ou o desdĂ©m;
InĂștil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria Ă© feita dum tormento,
Um riso Ă© sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lĂĄ um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusĂŁo morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nĂłs renasce
Que no mesmo momento Ă© jĂĄ perdida…

Amar-te a vida inteira eu nĂŁo podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se Ă© isto a vida!…

Madalena

…e lhe regou de lĂĄgrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂștil…
Meu coração, velha moeda fĂștil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂșctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂŒentado, enxovalhado, inĂștil,

Dentro do peito, abominĂĄvel cĂŽmico!
Morrer tranqĂŒilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatîmico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

Palavras

Ah! como me parece inĂștil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
nĂŁo hĂĄ verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.

Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inĂștil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.

NĂŁo devia existir a palavra… Devia
existir tĂŁo somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevo

quando o sinto, Ă© profundo, indefinido e imenso,
mas se o chĂŁo tĂŁo grande quando nele penso
parece-me tĂŁo pouco se sobre ele escrevo!

A Minha Vida Ă© um Barco Abandonado

A minha vida Ă© um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que nĂŁo ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhĂŁ, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando Ă  tona inĂștil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Piedade

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tåbuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inĂștil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
II
Fui gostar de vocĂȘ – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…

Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
Ă© como hei de aturar esta tortura,
de ver vocĂȘ e alguĂ©m numa ventura
que sonhei para mim – que em vĂŁo sonhei

Fui gostar de vocĂȘ – e agora vejo
que este amor viverĂĄ num sonho apenas,
– na renĂșncia suprema do que almejo…

É inĂștil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.

Linda

Intimamente sinto uma grande vontade
de nĂŁo mais duvidar do que vocĂȘ me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…

Quero crer… na inconstĂąncia e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, nĂŁo sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que Ă© meu o seu amor, sĂł meu… de mais ninguĂ©m…

Quero nessa ilusĂŁo – minha Ă­ntima esperança
transformar na feliz e invejĂĄvel certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…

Mas Ă© inĂștil, bem sei… A dĂșvida nĂŁo finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
nĂŁo sei como confiar em quem nasceu tĂŁo linda!

San Gabriel I

InĂștil! Calmaria. JĂĄ colheram
As velas. As bandeiras sossegaram,
Que tĂŁo altas nos topes tremularam,
– Gaivotas que a voar desfaleceram.

Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos ritmos que as ondas embalaram)
Que cilada que os ventos nos armaram!
A que foi que tĂŁo longe nos trouxeram?

San Gabriel, arcanjo tutelar,
Vem outra vez abençoar o mar,
Vem-nos guiar sobre a planĂ­cie azul.

Vem-nos levar Ă  conquista final
Da luz, do Bem, doce clarĂŁo irreal.
Olhai! Parece o Cruzeiro do Sul!

Estrangeiro

Sou estrangeiro em todos os lugares.
InĂștil procurar-te, aldeia minha.
Subo de escada todos os andares,
com a fria espada a acutilar-me a espinha.

NĂŁo sou daqui nem sou de lĂĄ. Perdi-me
na indecisĂŁo de becos e de esquinas.
Como o pardal diante do gato, vi-me
apanhado por garras assassinas.

Os mapas pendurados nas paredes
riem de mim como insensĂ­veis redes,
rasgando os peixes que nĂŁo fogem mais.

Prenderam-me entre muros que abomino
e toda a noite entoam-me seu hino
de insultos, gritos e Ăłdios triunfais.

Imagens Que Passais Pela Retina

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque nĂŁo vos fixais?
Que passais como a ĂĄgua cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, nĂŁo me levais?

Sem vĂłs o que sĂŁo os meus olhos abertos?
– O espelho inĂștil, meus olhos pagĂŁos!
Aridez de sucessivos desertos…

Fica sequer, sombra das minhas mĂŁos,
FlexĂŁo casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vĂŁos.

Interrogação

A Guido Batelli

Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă  garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!

Elegia para a AdolescĂȘncia

E enfim descansaremos sob a verde
resistĂȘncia dos campos escondidos.
Nem pensaremos mais no que hĂĄ-de ser de
nĂłs que entĂŁo seremos definidos.

No mar que nos chamou, no mar ausente,
simples e prolongado que supomos
seremos atirados de repente,
puros e inĂșteis como sempre fomos.

Veremos que as vogais e as consoantes
nĂŁo sĂŁo mais que ornamentos coloridos,
fruto de nossas bocas inconstantes.

E em silĂȘncio seremos transformados,
quando formos, serenos e perdidos,
além das coisas vãs precipitados.

Uma AusĂȘncia de Mim

Uma ausĂȘncia de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chĂŁo que nĂŁo foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.

Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo —
ou foi o sonho dos demais que sonho?

A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um Ăłcio inĂștil
ergueu da sombra a minha carne, ou sou

um casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.

Pedra Tumular

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz nĂŁo tem sentido:
É feita de ignorñncia e de castigo,
TĂŁo rĂ­gida e tĂŁo fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mĂŁos em gestos frĂĄgeis,
Duma verdade inĂștil por vazia,
E a lĂ­ngua imĂłvel nega o som Ă  vida,
Por hĂĄbito ou por falta de coragem.

Se hĂĄ rumores lĂĄ de fora, Ă s vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um tĂșmulo seguro;
E o relĂłgio dĂĄ-lhe horas certas, sempre.

Soneto Da Mulher InĂștil

De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tĂŁo de leve sinto-te no peito
Que o meu prĂłprio suspiro te levanta.

To contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nĂ­vea garganta
Branco pĂĄssaro fiel com que me deito.

Mulher inĂștil, quando nas noturnas
CelebraçÔes, nåufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas

SĂŁo teus seios tĂŁo tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.

O Meu CondĂŁo

Quis Deus dar-me o condĂŁo de ser sensĂ­vel
Como o diamante Ă  luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantĂĄstica, impossĂ­vel:
– Um bailado de cor e fantasia!

Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixĂŁo estranha, ardente, incrĂ­vel!
Erguer em mim o facho inextinguĂ­vel,
Como um cinzel vincando uma agonia!

Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– VĂŁos, os meus braços de crucificada,
InĂșteis, esses beijos que te dei!

Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…