Gomes Leal
Sangra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a tristeza, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.Este, poeta, Apolo em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração.
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.Inúteis oito luas da loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão e desgraça e amargura!Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígios de maligna formosura:
É a lua além de Deus, álgida e ignota.
Sonetos sobre Inúteis
41 resultadosMentira
Tanta cousa passou… E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados…
– Nossa vida… ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao léu… a sonhar acordados…Ontem juntos, felizes… hoje, separados,
– (não pensei que este amor chegasse a tais extremos…)
E sorrimos em vão… sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .Cruzamos nossos passos muita vez: – é a vida!
– eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída…Mentira inútil, cruel… se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora!
Nox
Noite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos ásperos tormentos…Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…Oh! Antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!
XVI
Toda a mortal fadiga adormecia
No silêncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavíssimo alterava
Na muda confusão da sombra fria:Só Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior não repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecê-na é inútil arte;
Fazer o que ela quer, é rigor forte:Mas de modo entre as penas se reparte;
Que à Lise rende a alma, a vida à morte:
Por que uma parte alente a outra parte.
Triste Bahia! Oh Quão Dessemelhante
Triste Bahia! oh quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado.
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.A ti tocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Foi Um Dia De Inúteis Agonias
Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…Foi um dia de falsas alegrias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…
Voltavam ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso…Dia impressível mais que os outros dias.
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…
Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
A Minha Tragédia
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …
A Vida
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!A mais nobre ilusão morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida…Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!…
Madalena
…e lhe regou de lágrimas os pés e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,De resignar-se torpemente dúctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensangüentado, enxovalhado, inútil,Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqüilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatômico,Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!
Palavras
Ah! como me parece inútil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
não há verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inútil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.Não devia existir a palavra… Devia
existir tão somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevoquando o sinto, é profundo, indefinido e imenso,
mas se o chão tão grande quando nele penso
parece-me tão pouco se sobre ele escrevo!
A Minha Vida é um Barco Abandonado
A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.
Piedade
O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
Fui Gostar De Você
“Fui Gostar de Você”
II
Fui gostar de você – facilitei
no poder de seus olhos… Que loucura! …
– Nunca pensei que um dia esta figura
havia de fazer… Nunca pensei…Bem triste a pantomima. . . E o que nem sei
é como hei de aturar esta tortura,
de ver você e alguém numa ventura
que sonhei para mim – que em vão sonheiFui gostar de você – e agora vejo
que este amor viverá num sonho apenas,
– na renúncia suprema do que almejo…É inútil meu viver… Hoje, ao seu lado
sou alguém que sepulta as próprias penas
no orgulho triste de quem foi deixado.
Linda
Intimamente sinto uma grande vontade
de não mais duvidar do que você me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…Quero crer… na inconstância e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que é meu o seu amor, só meu… de mais ninguém…Quero nessa ilusão – minha íntima esperança
transformar na feliz e invejável certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…Mas é inútil, bem sei… A dúvida não finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
não sei como confiar em quem nasceu tão linda!
San Gabriel I
Inútil! Calmaria. Já colheram
As velas. As bandeiras sossegaram,
Que tão altas nos topes tremularam,
– Gaivotas que a voar desfaleceram.Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos ritmos que as ondas embalaram)
Que cilada que os ventos nos armaram!
A que foi que tão longe nos trouxeram?San Gabriel, arcanjo tutelar,
Vem outra vez abençoar o mar,
Vem-nos guiar sobre a planície azul.Vem-nos levar à conquista final
Da luz, do Bem, doce clarão irreal.
Olhai! Parece o Cruzeiro do Sul!
Estrangeiro
Sou estrangeiro em todos os lugares.
Inútil procurar-te, aldeia minha.
Subo de escada todos os andares,
com a fria espada a acutilar-me a espinha.Não sou daqui nem sou de lá. Perdi-me
na indecisão de becos e de esquinas.
Como o pardal diante do gato, vi-me
apanhado por garras assassinas.Os mapas pendurados nas paredes
riem de mim como insensíveis redes,
rasgando os peixes que não fogem mais.Prenderam-me entre muros que abomino
e toda a noite entoam-me seu hino
de insultos, gritos e ódios triunfais.
Imagens Que Passais Pela Retina
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vãos.
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ó alma de charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Elegia para a Adolescência
E enfim descansaremos sob a verde
resistência dos campos escondidos.
Nem pensaremos mais no que há-de ser de
nós que então seremos definidos.No mar que nos chamou, no mar ausente,
simples e prolongado que supomos
seremos atirados de repente,
puros e inúteis como sempre fomos.Veremos que as vogais e as consoantes
não são mais que ornamentos coloridos,
fruto de nossas bocas inconstantes.E em silêncio seremos transformados,
quando formos, serenos e perdidos,
além das coisas vãs precipitados.
Uma Ausência de Mim
Uma ausência de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chão que não foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo —
ou foi o sonho dos demais que sonho?A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um ócio inútil
ergueu da sombra a minha carne, ou souum casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.