Sonetos sobre Barcos

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Sonetos de barcos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poveiro

Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na Agoa quizera com vocĂȘs morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!

Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De ha tantos tempos, devem jĂĄ estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!

Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
NĂŁo seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!

No alto mar, ĂĄs trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fĂŽri intieiro,
Nossa bela ĂĄ Sinhora dos Afflictos!

Soneto XXXII

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tĂ­mida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que nĂŁo sĂŁo barcos de ouro os meus ideais:
sĂŁo feitos de papel, sĂŁo como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lĂĄ se foram eles!
Foram-se embora e nĂŁo voltaram mais!

Toada Para Solo De Ocarina

Fio tĂȘnue do cĂ©u em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco Ă©brio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud

Sonhos

Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.

Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, nĂŁo esteja
Seguindo veloz no barco da acção.

HĂĄ uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planĂ­cie onde chega a vista
Que jĂĄ Ă© consolo Ă  dĂșvida e Ă  dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquista

Nem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, sĂł por si, forjar!

Barco Perdido

Oh! a vida Ă© uma grande renĂșncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, Ă© que Ă s vezes, a vida
de renĂșncia em renĂșncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressĂŁo comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? HĂĄ uma Ăąncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rĂŽtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

Miritiba

É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na ĂĄgua salobra, a canoada em fila…
Grandes redes ao sol, mangais defronte…

De um lado e de outro, fecha-se o horizonte…
Duas ruas somente… a ĂĄgua tranqĂŒila…
Botos no prea-mar… A igreja… A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, nĂŁo reflito, ou penso.
PÔem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mĂŁe, pela noite, agita um lenço…

Ao vir do sol, a ĂĄgua do mar se alteia.
Range o mastro… Depois… sĂł me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!

Mentira

Tanta cousa passou… E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados…
– Nossa vida… ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao lĂ©u… a sonhar acordados…

Ontem juntos, felizes… hoje, separados,
– (nĂŁo pensei que este amor chegasse a tais extremos…)
E sorrimos em vĂŁo… sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .

Cruzamos nossos passos muita vez: – Ă© a vida!
– eu, volto o rosto (fraco Ă  paixĂŁo que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraĂ­da…

Mentira inĂștil, cruel… se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora!

Soneto Da Enseada

Sou sempre o que estå além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂŽr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

A Minha Vida Ă© um Barco Abandonado

A minha vida Ă© um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que nĂŁo ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhĂŁ, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando Ă  tona inĂștil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

A Rua Dos Cataventos – XII – Para Erico Verissimo

O dia abriu seu pĂĄra-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.

Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhĂĄ-la admirado…

Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… CĂ©u Ă© que lhes falta
Pra suportarem a existĂȘncia rude!

E eles sonham, imĂłveis, deslumbrados,
Que sĂŁo dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqĂŒila de um açude…

Bastava-nos Amar

Bastava-nos amar. E nĂŁo bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E nĂŁo bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
JĂĄ nĂŁo bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.