Livre!
Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Sonetos sobre Justiça
9 resultadosA Carnal Tentação Desenfreada
A carnal tentação desenfreada
Que ao sangue quente alta justiça pede,
Fez com que eu, embrulhando-me na rede
Subisse de uma puta a infame escada.Ligeiras pulgas saltam de emboscada
Fartando em mim de sangue humano a sede;
Arde a vela pregada na parede,
Já de antigos morrões afogueada.Saiu da alcova a desgrenhada fúria
Respirando venal sensualidade,
Vil desalinho, sórdida penúria:Muito pode a pobreza e a porquidade;
Abati as bandeiras à luxúria
Jurei no altar de Vénus castidade.
Terra Do Brasil
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança…Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
Justitia Mater
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!
A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro
Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c’roa
A malfadada Inês na sepultura.
A Minha Mãe
Vermelho foi o teu cabelo, Mãe!
— sinal de já ser minha a liberdade.
E quanto embranqueceu! Mas haja alguém
que chame desistência ao que é Vontade,ao que é brandir ao vento a felicidade
e defendê-la… que nem cor já tem.
Vermelho foi o teu cabelo, Mãe!
Não temas quanto venha: a luz que há-deiluminar este combate justo,
se a mim me aniquilar, a todo o custo,
é que eu lhe dei qualquer verdade a mais.Olha, ó minha Mãe! tanta bandeira!
Tanta justiça a mais! — E a vida inteira
só as aceita se ainda forem mais.
Aos Vencidos
Quando é que emfim virá o claro dia,
– O dia glorioso e suspirado! –
Que não corra mais sangue, esperdiçado
Á luz do Sol que os mundos alumia?! –Que os vencidos não vejam a agonia
Do seu tecto de colmo incendiado,
E se ouça retumbar o monte e o prado,
Ao tropel da velloz cavallaria?!Quando é que isto será? – Quando na vida,
Virá ella, a doce hora promettida,
Hora cheia d’amor, e desejada!…Em que fataes Cains, fartos da guerra,
Nosso sangue não beba mais a terra…
– E nem mesmo a Justiça use d’Espada?!
O Condenado
Folga a justiça e geme a natureza – Bocage
Alma feita somente de granito,
Condenada a sofrer cruel tortura
Pela rua sombria d’amargura
– Ei-lo que passa – réprobo maldito.Olhar ao chão cravado e sempre fito,
Parece contemplar a sepultura
Das suas ilusões que a desventura
Desfez em pó no hórrido delito.E, à cruz da expiação subindo mudo,
A vida a lhe fugir já sente prestes
Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo.O mundo é um sepulcro de tristeza,
Ali, por entre matas de ciprestes,
Folga a justiça e geme a natureza.
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!