Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!Beija-me as mĂŁos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascĂŞssemos irmĂŁos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mĂŁos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…
Sonetos sobre Loucos de Florbela Espanca
11 resultadosMeu Mal
A meu irmĂŁo
Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!Fui tudo que no mundo há de maior:
Fui cisne, e lĂrio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cĂnico riso de Chamfort…Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mĂŁos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
Para QuĂŞ?!
Tudo Ă© vaidade neste mundo vĂŁo…
Tudo Ă© tristeza, tudo Ă© pĂł, Ă© nada!
E mal desponta em nĂłs a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri Ă gargalhada,
Flor que Ă© nascida e logo desfolhada,
PĂ©talas que se pisam pelo chĂŁo!…Beijos de amor! Pra quĂŞ?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo sĂŁo realidades,
Que nos deixam a alma como morta!SĂł neles acredita quem Ă© louca!
Beijos de amor que vĂŁo de boca em boca,
Como pobres que vĂŁo de porta em porta!…
Se tu viesses ver-me…
Se tu viesses ver-me hoje Ă tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mĂŁo na minha…Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcĂssimas dum beijo
E Ă© de seda vermelha e canta e riE Ă© como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Eu
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu nĂŁo era
Aquela que em meus versos descrevera
TĂŁo clara como a fonte e como o dia.Mas que eu nĂŁo era Eu nĂŁo o sabia
E, mesmo que o soubesse, nĂŁo o dissera…
Olhos fitos em rĂştila quimera
Andava atrás de mim…e nĂŁo me via!Andava a procurar-me — pobre louca!
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
RuĂnas
Se Ă© sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida Ă© um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruĂnas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida Ă© um contĂnuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguĂŞ-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
SĂŁo como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
A Noite Desce
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mĂŁos piedosas
Que os meus olhos tristĂssimos fechassem!Assim mĂŁos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lĂrios, de mimosas,
No crepĂşsculo que desce me enterrassem!A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!E a noite vai descendo, sempre calma…
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!
Doce Certeza
Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E nĂŁo te lembrarás de mim sequer…Hás de tecer uns sonhos delicados…
HĂŁo de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!…Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que sĂŁo meus versos!…
Pior Velhice
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso sĂŁo andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mĂstica de louca
MartĂrios sĂł poisou a emurchecer!E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…
Sobre A Neve
Sobre mim, teu desdém pesado jaz
Como um manto de neve…Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!Coroavas-me inda pouco de lilás
E de rosas silvestres…quando eu era
Aquela que o destino prometera
Aos teus rĂştilos sonhos de rapaz!Dos beijos que me deste nĂŁo te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas…
Folhas de Outono e correria louca…Mas inda um dia, em mim, Ă©brio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!
De Joelhos
“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, sĂł para te ver …Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixĂŁo fervente e louca!E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!