VisĂŁo
Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!
Sonetos sobre Luar
113 resultadosVisĂŁo Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rĂgidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
Minha Terra
A. J. EmĂdio Amaro
Ă“ minha terra na planĂcie rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pĂŁo e a minha casa…Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!Minha terra onde meu irmĂŁo nasceu…
Aonde a mĂŁe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…Truz… truz… truz… Eu nĂŁo tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, Ă© quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!
Ambos
VĂŁo pela estrada, Ă margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂmpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂŞmulos arpejos,
E as reticĂŞncias que produz o vago.
PlenilĂşnio
VĂŞs este cĂ©u tĂŁo lĂmpido e constelado
E este luar que em fĂşlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotões de prata…
VĂŞs este cĂ©u de mármore azulado…VĂŞs este campo intĂ©rmino, encharcado
Da luz que a lua aos páramos desata…
Vês este véu que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…VĂŞs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂŞs estes rios cheios de ardentias…VĂŞs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!
Luar
Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂmidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.Rasga o silĂŞncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorrosEsbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilĂnea compridĂŁo dos mortos.
LĂngua Portuguesa
Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime Ă s palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca Ă voz que balbucia;Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que Ă© poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.Rumor de asas de abelha, um ruĂdo apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, Ăł vida!”
Do poeta que sofreu: “Ă“ vida, eu te amo!”
Esfinge
Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente sĂŁo a imagem.Embalo em mim um sonho vĂŁo, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…E Ă tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planĂcie enorme…
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂsios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambĂŞm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Never More – II
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso Ă hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.Talvez o riso me voltasse Ă boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…E, entĂŁo, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
X
Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lĂrios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer AlĂ©m novos martĂrios.De mĂŁos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro cĂrios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade MĂ©dia, morta em sagrados delĂrios.Os poentes sepulcrais do extremo desengano
VĂŁo enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…
As Almas Das Cigarras
As cigarras morreram… Todavia
Sinto um leve rumor tranqĂĽilo e lento
Que vai, de ramaria em ramaria,
Lento e tranqĂĽilo como o pensamento.As cigarras nĂŁo sĂŁo, porque, outro dia,
Vi que soltavam o Ăşltimo lamento…
E o vento? Deve ser a alma do vento
Que entre os ramos das árvores cicia…Entretanto o rumor parece eterno…
Agora que as estrelas se acenderam,
Vibra num coro, em serenata, ao luar…Contam os lavradores que, no inverno,
As almas das cigarras que morreram
Ressuscitam nas folhas a cantar.
VI
P. SiĂŁo que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas…
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao CĂ©u as cĂşpulas benditas.As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungĂĽentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas…JerusalĂ©m, em meio Ă s Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruĂnas de cidades mortas.
Celeste
A uma criança
Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!Adivinha, se podes, quanto Ă© mansa
A luz que bola sob um cĂlio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…Imagina por que… mas, lĂrio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!
Voz Que Se Cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que Ă© Infinito e pequenino!Asa que nos protege a todos nĂłs!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mĂsero Destino!…
Velando
Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂrio alvorece reflectido…Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂrio, luar…Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…
Primeiras VigĂlias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂnea da inocĂŞncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Celeste
Aos corações ideais
Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasões de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…E o gás que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!
Canção do Mar Aberto
Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar
A Freira Morta
(Desterro)
Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…Como que vem do tĂşmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!