Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂdo:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂŞs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Sonetos sobre Mal de LuĂs de Camões
48 resultadosNa Ribeira Do Eufrates Assentado
Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memĂłria
aquele breve bem, aquela glĂłria,
que em ti, doce SiĂŁo, tinha passado.Da causa de meus males perguntado
me foi: Como nĂŁo cantas a histĂłria
de teu passado bem, e da vitĂłria
que sempre de teu mal hás alcançado?Não sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e nĂŁo chores dessa sorte.Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.O tempo cobre o chĂŁo de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que nĂŁo se muda já como soĂa.
Se as Penas com que Amor TĂŁo Mal me Trata
Se as penas com que Amor tĂŁo mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhĂŞ-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
Não Pode Tirar-me as Esperanças
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.Que dias há que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂŞ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂŞ.
VĂłs SĂł Convosco mesma Andai de Amores
Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem por nascer está quem vos mereça.Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.Assim que a paga igual de minhas dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
VĂłs sĂł convosco mesma andai de amores.
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tĂŁo ilĂcito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tĂŁo a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razĂŁo, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ă“ HipĂłlito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que nĂŁo sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.
Que Pode Já Fazer Minha Ventura
Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro;assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro.
Já Não Sinto, Senhora, Os Desenganas
Já não sinto, Senhora, os desenganas
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardĂŁo que me negastes,
merecido por fé, há tantos anos.A mágoa choro só, só choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vĂłs sĂł me vingastes
de vossa ingratidão, vossos enganos.Dobrada glória dá qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
nĂŁo o quisera eu tanto Ă vossa custa.
Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio
Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?
NĂŁo Canse o Cego Amor de me Guiar
Pois meus olhos nĂŁo cansam de chorar
Tristezas nĂŁo cansadas de cansar-me;
Pois nĂŁo se abranda o fogo em que abrasar-me
PĂ´de quem eu jamais pude abrandar;NĂŁo canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me nĂŁo deixar.E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Num Tão Alto Lugar, De Tanto Preço
Num tão alto lugar, de tanto preço,
este meu pensamento posto vejo,
que desfalece nele inda o desejo,
vendo quanto por mim o desmereço.Quando esta tal baixesa em mim conheço,
acho que cuidar nele Ă© grĂŁo despejo,
e que morrer por ele me Ă© sobejo
e mor bem para mim, do que mereço.O mais que natural merecimento
de quem me causa um mal tĂŁo duro e forte,
o faz que vá crecendo de hora em hora.Mas eu não deixarei meu pensamento,
porque inda que este mal me causa a morte,
Un bel morir tutta la vita onora.
Quanto Mais me Paga, Mais me Deve
Passo por meus trabalhos tĂŁo isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que sĂł por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o sofrimento.Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.Mas se me vĂŞ co’os males tĂŁo contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.
Se A Fortuna Inquieta E Mal Olhada
Se a Fortuna inquieta e mal olhada,
que a justa lei do Céu consigo infama,
a vida quieta, que ela mais desama,
me concedera, honesta e repousada;pudera ser que a Musa, alevantada
com luz de mais ardente e viva flama.
fizera ao Tejo lá na pátria cama
adormecer co som da lira amada.Porém, pois o destino trabalhoso,
que me escurece a Musa fraca e lassa,
louvor de tanto preço não sustenta;a vossa de louvar-me pouco escassa,
outro sujeito busque valeroso,
tal qual em vĂłs ao mundo se apresenta.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitĂłria.Impressa tenho na alma larga histĂłria
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tĂŁo contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.Assim de ambos contente será a sorte:
Em vĂłs por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vĂłs vencido.
Se Tomar Minha Pena Em PenitĂŞncia
Se tomar minha pena em penitĂŞncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂŞncia.E se ĂĽa cor de morto na aparĂŞncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciência.E se de qualquer áspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
será forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.
Em Amor não há Senão Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.
NascerĂŁo Saudades de Meu Bem
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vĂłs os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;Silvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.E pois já me não vedes como vistes,
NĂŁo me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
E nascerĂŁo saudades de meu bem.
MemĂłria De Meu Bem, Cortado Em Flores
MemĂłria de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.Perdi nua hora quanto em termos
tĂŁo vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, nĂŁo ua sĂł, dura memĂłria!