Sonetos sobre Mal de Luís de Camões

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Sonetos de mal de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂ­am
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂ­vel.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Foi Já Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.

Despois Que Quis Amor Que Eu SĂł Passasse

Despois que quis Amor que eu sĂł passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me Ă  Fortuna, porque viu
que nĂŁo tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o CĂ©u me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim sĂł mandou que se inventasse.

Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos Ă© sujeita,

desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!

Quando Cuido No Tempo Que, Contente

Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vĂŞ por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quĂŁo distante de vĂłs mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar tambĂ©m me ausente.

Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);

Agora, em tanto mal nĂŁo mo assegura
a prĂłpria fantasia e nojo vosso:
eu nĂŁo posso entender este segredo!

Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado

Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razĂŁo comigo usastes?
Quem foi, por quem tĂŁo presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?

Trocastes-me um descanso em um cuidado
tĂŁo duro, tĂŁo cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.

Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercĂŞ,
amor com desamor me revolveu.

Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo Ă©
que pague com chorar o que perdeu.

Lembranças Saudosas

Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
NĂŁo vivo com meu mal tĂŁo enganado,
Que nĂŁo espere dele muito mais.

De longo tempo já me costumais
A viver de algum bem desesperado:
Já tenho co’a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.

Atada ao remo tenho a paciĂŞncia
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.

Que pois nĂŁo posso ter mais resistĂŞncia
Para tĂŁo dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.

TĂŁo Conformes na Ventura

Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um áspero receio
Salteado Laurénio a cor perdia.

Ela, que a SĂ­lvio mais que a si queria,
Para podĂŞ-lo ver nĂŁo tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tĂŁo mal curar podia?

Ele, que viu tĂŁo clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):

Como pode a desordem da natura
Fazer tĂŁo diferentes na vontade
Aos que fez tĂŁo conformes na ventura?

De Um TĂŁo Felice Engenho, Produzido

De um tĂŁo felice engenho, produzido
de outro, que o claro Sol nĂŁo viu maior,
Ă© trazer cousas altas no sentido,
todas dinas de espanto e de louvor.

Museu foi antiquĂ­ssimo escritor,
filĂłsofo e poeta conhecido,
discĂ­pulo do MĂşsico amador
que co som teve o Inferno suspendido.

Este pĂ´de abalar o monte mudo,
cantando aquele mal, que eu já passei,
do mancebo de Abido mal sisudo.

Agora contam já (segundo achei),
Passo, e o nosso BoscĂŁo, que disse tudo
dos segredos que move o cego Rei.